Editorial | Revista Parêntese

Parêntese #249: Fofoca chique

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Parêntese #249: Fofoca chique Roberto Kalil, cardiologista. Foto: Divulgação

Lembrei imediatamente do Nelson Rodrigues. No auge de sua vida de cronista, ele costumava citar as granfinas de suas relações. Dizia que era quase impossível distinguir uma das outras, porque todas tinham o mesmo nariz, feito pelo mesmo cirurgião plástico. Ao mesmo tempo, dizia ele que era muito importante ouvir as granfinas, para saber como andavam as coisas. Para saber como estavam soprando os ventos históricos.

Não conheço granfinas, mas eis que as redes sociais de vez em quando permitem frequentá-las, mesmo sem ter sido convidado para um de seus encontros. Foi o que me ocorreu esses dias.

O leitor, que é como eu um simples de alma, não imagina que se passa entre as granfinas na era do bolsonarismo. O senhor lembra, a senhora recorda, que faz poucos dias o Lula, nosso presidente, caiu de cabeça no banheiro e teve uns perrengues. Lembrou? Depois se soube que foi cortar as unhas dos pés, se desequilibrou e estava feita a falseta.

Seu médico, um famoso cardiologista, logo veio a público dizer que tinha sido uma batida, formou-se um pequeno coágulo, coisa pouca etc. Ele, por isso, não iria à Rússia para a reunião do BRICS, mas mandou um vídeo e tal.

Pois vadiava eu pelo Facebook quando paro numa postagem. De uma importante médica porto-alegrense, com quem tenho, na rede social, essa relação tênue que mesmo assim se chama amizade. Ela postou um comentário que tinha já seu tanto de veneno: disse ela que era estranho que o boletim médico sobre a pancada na cabeça tivesse vindo por um cardiologista; sugeriu que lhe parecia impróprio, por falta de especialidade; e que como médica se preocupava com qualquer paciente (mesmo que este fosse, argh, o Lula…).

(Mal sabia ela, ou não sabia mesmo, ou sabia mas não veio ao caso, que havia sim um neurologista por trás de tudo, fazendo tomografia da caixa craniana do presidente. De todo modo, foi um cardiologista que deu entrevista.)

Fui ver os comentários. Rapá…

Fui ver sem nenhuma intenção clara, apenas para xeretar. E vi: uma sucessão de ilações, entre cretinas e francamente fóbicas, dizendo que nada havia a estranhar em tal falta de especialidade porque o Lula no fim era mesmo um cachaceiro (a palavra usada era outra, que granfinas não usam palavra assim trivial, ao menos em público), que o presidente vive numa redoma de mentira mesmo, que é um ditador abominável (também era outro o adjetivo, que este repousa claramente acima do nível de vocabulário da pessoa que assinava o post).

E o fato banal era apenas aquele: um cardiologista expressou em público o diagnóstico de toda uma equipe médica, que incluía um neurologista.

A julgar por essa amostra, nossas atuais granfinas estão exercitando seu reacionarismo a mil pelas redes sociais, e. enquanto isso votando em bozozoides variados, desde que barrem a chegada ao poder de qualquer força progressista, que queira mais igualdade, ou menos desigualdade. 

 

Luís Augusto Fischer

 


Nesta edição 

 

Hoje começamos uma nova sessão especial: A vida como ela realmente é, com aquelas histórias que parecem mais ficção do que realidade. Quem narra a primeira é Graça Craidy. Luís Augusto Fischer bateu um papo rápido com Humberto Gessinger, que faz um show beneficiente no Grezz, no dia 30/10. 

Esta edição também traz crônicas de Paulo Damin, sobre o bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre; do oncologista Stephan Stefani sobre a amizade; de Juremir Machado da Silva, que comenta sobre a Feira do Livro de Porto Alegre os lançamento que vem por aí, e uma homenagem de Luiz Eduardo Achutti a Mario Quintana, que conta sobre uma sessão de fotos do poeta. No campo da música, Lisiane Leffa apresenta um belo ensaio sobre as canções de Alexandre Kumpinski e Arthur de Faria discorre sobre Fernando Ribeiro, em mais um capítulo da biografia musical de Porto Alegre. 

Fechamos com três textos, de Luciano Alabarse, Ricardo Silvestrin e Antônio Carlos Secchin, em homenagem ao poeta Antonio Cícero que, sofrendo de Alzheimer, optou por praticar a eutanásia, na Suíça, e faleceu em 23 de outubro. 

Boa leitura! 

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