Editorial | Revista Parêntese

Parêntese #243: Fumaça e culpa 

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Parêntese #243: Fumaça e culpa  Foto: Reprodução RBS TV

Me ponho no lugar do cidadão médio, essa abstração tão rarefeita quanto a do leitor médio, e tão necessária quanto para poder pensar de modo organizado. 

Estou rolando a tela, estou ouvindo rádio no carro, estou diante da tevê vendo um noticioso, estou trocando uma palavrinha em casa, no serviço, em qualquer parte. E lá está ela: a fumaça. A fumaça que veio viajando por mais de mil quilômetros e agora tapa o nosso céu porto-alegrense. A fumaça nascida de queimadas intencionais (uns quantos estão detidos, outros tantos denunciados) e acrescentadas pela seca e pelo vento.  

O que eu faço? Como reajo? Estou claramente assustado, lamentativo, aborrecido, talvez fique indignado. Contra quem ou contra o quê eu posso dirigir meus sentimentos desconfortáveis pela presença dela aqui? 

Os causadores são remotos. Eu vagamente posso associá-los à mineração ao agro em sua face troglodita, assassina. Mas quem são esses agentes? Eu posso encontrar com um deles ao vivo e dizer-lhe algumas das minhas preocupações, das minhas mágoas, dos meus temores? 

Eles não têm cara – nisso, são parecidos com os agentes políticos realmente no poder, seja no Legislativo, no Judiciário, no Executivo, seja nas grandes corporações e associações de classe proprietária: ninguém tem cara mesmo, ninguém dá a cara a tapa. A gente os conhece de relance mas sempre de longe. Eles não habitam a mesma cidade de calçada estropiada, inundada, fedida, enfumaçada que eu.   

Tenho vontade, como cidadão médio, de ir em um por um daqueles que enxergo diante de mim, no concreto da vida, e também daqueles que não têm cara acessível, sacudir pelos ombros cada um e perguntar se não vão tomar as providências cabíveis. Não vão tomar, nem eu vou chacoalhar seus ombros. 

O que é certo é que não se trata de um problema meu – mas acaba sendo exatamente um problema meu. Não tenho poder sobre ele, mas ele me subordina. 

Não, não tenho nenhuma solução para oferecer ao mundo em geral, nem ao leitor particular que me acompanha até aqui. Mas tenho certeza de que nada resolveremos com a grande imprensa bunda-mole que nos governa o pensamento, que termina as escassas matérias (sempre frouxas) sobre o tema sugerindo que, se cada um fizer sua parte, o mundo será melhor. Não será: a coisa tem escala coletiva, ampla, opressiva e abrangente. 

Bem que eu, cidadão médio, gostaria de oferecer a mão e uma solução para a leitora. Mas sou como ela, como tu, impotente – mas ainda crente nas virtudes da consciência, do jornalismo, da reflexão crítica. E do voto inteligente. 

 

Luís Augusto Fischer


Nesta edição 

A fumaça não passou despercebida. Impossível passar. Lá de Rio Branco, no Acre, no centro de tudo, Natalia Jung nos manda um estarrecedor relato sobre como a boiada segue passando enquanto nossa Amazônia queima. Tiago Medina aborda o tema do Antropoceno, Gustavo Borba discorre sobre o cenário do caos climático que estamos vivendo e as implicações na educação, e Claudia Tajes reúne as aflições desses dias nublados – não só de fumaça. 

De Buenos Aires, Fernando Seffner fala sobre os encantos de uma das ruas do bairro Palermo. Luís Augusto Fischer conversou com Lucas Zamberlan, professor da UFSM, sobre o lançamento da vida e obra de Felippe D’Oliveira, em volumes publicados pela editora da Universidade. Em época de eleições, Pâmela Chiorotti Becker nos oferece uma visão histórica sobre as origens do populismo. Juremir Machado da Silva compartilha algumas anotações sobre a Revolução Farroupilha. 

Fechamos o sábado com o terceiro e último texto de Frederico Bartz sobre os “outros” alemães na história do bicentenário da imigração germânica e com novo capítulo na biografia musical de Porto Alegre. Arthur de Faria agora ingressa na trajetória de Hermes Aquino. 

Boa leitura! 


Queimadas
Sinal de fumaça, por Natalia Jung
Abraçar o antropoceno, por Tiago Medina
O calor vai nos matar antes, por Gustavo Borba
Excesso de tudo, Claudia Tajes 

Entrevista
Vida e obra de Felippe D’Oliveira: Luís Augusto Fischer entrevista Lucas Zamberlan

Ensaios & Crônicas
A rua mais bonita do mundo de Buenos Aires, por Fernando Seffner
Populismo – sinal de má política ou pleno exercício da democracia?, por Pâmela Chiorotti Becker
Anotações sobre a Revolução Farroupilha, por Juremir Machado da Silva

200 anos da imigração germânica
Qual o lugar dos “outros” alemães na história do Bicentenário? – Parte 3, por Frederico Bartz

Porto Alegre: uma biografia musical
Capítulo CXVIII: Hermes Aquino – 1, por Arthur de Faria

 

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