Editorial | Revista Parêntese

Parêntese #231: Contemporâneos do gênio

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Parêntese #231: Contemporâneos do gênio Nelson Mota e Chico Buarque, nos anos 1970. Foto: Correio da Manhã

Em 1901, os leitores brasileiros mais ligados tinham já lido Dom Casmurro, de Machado de Assis. Nascido em 1839, o gênio das letras era um idoso de 62 anos no dito ano de 1901. Naquela época, passar dos 60 lúcido e ativo era já um feito notável; Machado quase completaria 70 – faleceu em 1908, tendo tido tempo de acrescentar mais dois romances e um livro de contos a seu currículo.

Mas em 1901, o que pensaria um leitor atento acerca de ter lido aquela obra tão marcante? Aquela obra que falava de uma suposta traição, narrada pelo suposto traído, em meio a um forte ensaio sobre a elite brasileira, cifrada por debaixo do enredo principal?

Talvez nem suspeitasse que Dom Casmurro sobreviveria aos tempos galhardamente, cativando as sucessivas gerações de leitores atentos. Nem pensasse, esse leitor, em nada sobre o futuro, porque afinal o romance de Bentinho era ainda quente e mantinha seu poder encantatório vivo, sem se abrir a interpretações de fundo.

Corta para 2024, esta semana. Com muito mais força de penetração popular e obra mais espalhada no tempo do que ocorreu com Machado, Chico Buarque de Holanda assoprou metafóricas 80 velas. Proporcionalmente muito mais brasileiros souberam desse aniversário, e cada qual deve ter revirado sua memória emocional para localizar uma, duas, vinte, cinquenta canções (e um, dois ou mais romances) significativas para si.

São canções que vêm sendo ouvidas desde a primeira metade dos anos 1960 por milhões, carregando desde então fortíssimas memórias emocionais. A velha cidade amena de “A banda”, os olhos tristes da “Carolina”, a morte (o suicídio?) do operário da construção civil em “Construção”, o levíssimo deboche da “Ciranda da bailarina”, a delicadeza sutil de “João e Maria” – a lista seria multicentenária.

Somos contemporâneos de um gênio superior da língua portuguesa, e isso não nos permite enxergar até onde vai essa obra, que se projeta no futuro de um modo que nos está vedado acompanhar.

Mas quem se importa com o futuro, quando o presente que Chico Buarque nos oferece é tão intenso, tão íntimo nosso, tão capaz de iluminar nossa subjetividade e nossa vida em comum?

Luís Augusto Fischer


Nesta edição 

A Parêntese de hoje traz assuntos variados: memória, música, artes visuais, literatura, cidades e, ainda, as águas. João Carlos Besen e Nora Prado escrevem sobre a enchente, acompanhados por um ensaio fotográfico da artista visual Thais Ueda

Carlos Gerbase comenta sobre uma tradução – não tão bem feita – de George Eliot e questiona os caminhos do mundo editorial atual. Gaudêncio Fidelis, que assina a curadoria de duas exposições de Ana Norogrando atualmente em cartaz em Portugal, conta sobre as mostras e a obra da artista. Tatiana Cruz relembra os antigos questionários, aqueles feitos no caderno e trocados entre os colegas. 

O escritório AH! Arquitetura Humana escreve sobre o direito à moradia. Juremir Machado da Silva anuncia seu novo livro, que tem lançamento marcado para 2 de julho. No centésimo sexto capítulo da biografia musical de Porto Alegre, Arthur de Faria apresenta a segunda parte da história da dupla Kleiton e Kledir. Roger Lerina honra a memória de Ayrton dos Anjos, o Patineti.

Também publicamos hoje um primeiro ensaio que retrata a vida cotidiana dos imigrantes germânicos no Rio Grande do Sul. Gisela Ranck conta a história da sua Oma, Carola Prinz, e compartilha desenhos feitos por ela que trazem um ar de crônica de costumes, com um toque de humor. 

Lembrando que acontece hoje o terceiro encontro da Sabatina Parêntese – Conversas sobre o futuro. Vamos receber o professor do departamento de Ecologia da UFRGS, Heinrich Hasenack. Esperamos vocês logo mais, às 11h, na Livraria Paralelo 30! 

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