O Plano Diretor de Canela vai mudar
Diagnóstico do novo Plano Diretor de Canela
O geógrafo Milton Santos dizia: “onde estamos nos define muito mais do que com quem andamos”. No momento, eu estou em Canela/RS. É aqui que eu vivo. Aquele viver costumeiramente definido por morar e trabalhar – mas que também abrange conviver, participar, aprender, circular, estudar, relaxar, curtir. Mesmo com esta aparente simplicidade verbal, tenho dificuldade em descrever como a cidade em que habito me define. Seguirei pensando a respeito, talvez surja um entendimento.
Canela vai alterar a lei do Plano Diretor. A grande maioria das pessoas, de tanto morar e trabalhar e viver, tem pouco tempo para saber da importância desta lei nas suas vidas.
Pisamos em cima da lei do Plano Diretor e nem nos damos conta. Isto acontece porque é a lei que regula a cidade. Porque ela materializa ruas, calçadas, praças, casas, edifícios, parques, hospitais, escolas, infraestruturas e todos os ambientes construídos que, como seres humanos, precisamos para morar, trabalhar, viver.
Além de materializar, ela precisa garantir que este morar, trabalhar, viver seja de qualidade, seja justo, seja sustentável. Esta lei do Plano Diretor tem dispositivos para que isto ocorra, mesmo que na rotina do dia a dia a gente veja a cidade se transformar sem parecer garantir qualidade de vida, justiça social e sustentabilidade ambiental.
A lei do Plano Diretor não pode ser um “copia e cola”. Ou seja, a lei de Gramado, nunca vai encaixar na de Canela, a de Canela nunca vai encaixar na de Porto Alegre. Por quê? Porque cada cidade é única. Cada cidade tem sua paisagem, sua natureza, sua cultura, seu povo. Como as pessoas, as cidades são diferentes e devem ser respeitadas na sua essência. Mesmo parecendo ter em comum tantas coisas, boas e ruins.
A futura lei do Plano Diretor precisa refletir a essência de Canela.
Os responsáveis por organizar e propor a alteração da lei do Plano Diretor, sabendo disso, costumam explicar Canela dividindo a cidade em “a Canela verde e a Canela cinza”.
Num exercício de visualizar o território da cidade por uma imagem aérea, eles mostram que na direção oeste Canela é verde, na direção leste, Canela é cinza. A explicação é que, onde tem mais telhados, tem menos espaços verdes, logo a cidade é mais cinza.
Bairros como Palace Hotel, Eugênio Ferreira, Canelinha, São Lucas, Sesi, estão na Canela cinza. Bairros como, Santa Terezinha, Vila Magi, Serrano, Centro, Susana, Suíça, estão na Canela Verde. Senti falta de uma explicação mais profunda. Será que isto basta para começar?
O diagnóstico trazido pelos responsáveis mostra que os bairros da Canela cinza possuem terrenos menores. São bairros mais populosos. Tem uma dinâmica própria. Possuem escolas, postos de saúde, comércios locais. A grande maioria já tem ruas pavimentadas e com calçada. Chega energia e água potável. O IPTU é mais barato. A renda é menor. Mas será apenas isso?
Saindo da imagem aérea e circulando pela Canela cinza, eu vejo cor. Muita cor! Estes bairros possuem problemas ambientais e sociais? Sim, os verdes também! Mas são bairros coloridíssimos! E representam Canela.
Uma alteração da lei do Plano Diretor e seu regime urbanístico tornará Canela mais verde? O que significa ser verde? O que implicará no morar, trabalhar e viver dos canelenses?
Retomo Milton Santos, estar em um bairro verde me torna uma pessoa verde? O que seria, em Canela, uma pessoa cinza e uma pessoa verde? Uma cor resolverá nossa capacidade de organização social e urbana?
A lei do Plano Diretor nos define há décadas. Ela vai mudar. Mudar é importante. Mas como será esta mudança? Qual é a essência de Canela? Como nossa cidade vai ser? Por quem ela vai ser feita? Para quem ela vai ser feita? Queremos ser cinzas e verdes? Só verdes? Ou multicoloridos? Fiquem atentos, participem mais! Afinal, que Canela queremos?
Francine Broilo é arquiteta e urbanista. Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS. Especialista em Gestão do Território pela UNISINOS. Moradora de Canela e ativista das questões urbanas e ambientais da região.
