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Ler uma exposição / Ver um livro

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Ler uma exposição / Ver um livro

Se a boa curadoria em artes está em se fazer ler uma exposição, mais do que em se fazer vê-la, parte do ofício do curador reside na capacidade de construir narrativas a partir da vida e do trabalho de artistas. Em Nosso corpo estranho, primeiro livro de autoria gaúcha publicado pela editora Fósforo, Reginaldo Pujol Filho assume o lugar de autor e curador e desloca a exposição do museu para o livro para narrar a vida e a obra de João Pedro, artista nascido em Porto Alegre nos anos 60. 

Também conhecido como ‘Jaypee’, iniciou sua carreira artística em Nova York. O berço dourado e o convívio com nomes icônicos da pop art, no entanto, não garantiu à ele notoriedade. Ignorado pela crítica e pelo circuito de galerias de seu país natal, é homenageado postumamente através da mostra retrospectiva cuja salas expositivas percorremos nas 112 páginas deste livro. Ao ler as etiquetas das obras, que vão da pintura à performance, e os textos de parede, demarcadores das três fases de criação do artista – visceral, crítica e trágica –, reconstruímos a “poética joãopedriana” pelas mãos do autor e curador Pujol Filho. Ao tratar o trabalho impresso não como romance, mas como exposição portátil (o que vemos é o texto, não as obras), Reginaldo expande os modos como pensamos a narrativa, mas também a forma como percebemos o museu – encarado, aqui, como espaço de leitura e narração. 

Nos estudos sobre a história dos museus e a museografia, não é novidade que o museu -– e o museu de arte contemporânea, em particular — implica um dado enquadramento para o visitante e um certo conjunto de expectativas: uma abertura de interpretação, um tipo de experiência, uma espécie de voz autoral etc. Para o curador e educador Bruce Ferguson, nas exposições, a ideia de que os significados são impossivelmente instáveis ​​é aceitável porque inevitável. Os sentidos só são produzidos no contexto, e esse é um processo de determinação coletivo, negociado, debatido e mutável. Essa instabilidade de significado é precisamente o que faz do museu um objeto particularmente interessante para o estudo sobre o impacto de diversas formas narrativas.

Dentre essas formas, o texto assume uma dimensão decisiva e quase indissociável nas exposições. Seja o texto curatorial, para o qual quase sempre nos voltamos antes de iniciar o percurso expositivo, ou o texto das etiquetas de obras, ferramentas discursivas capazes de contextualizar ou mesmo ancorar um objeto enquanto objeto artístico. Assim, não seria exagero dizer que vamos à uma exposição para ver objetos, mas também para ler textos; em suma, vamos ao museu para acompanhar narrativas. Arrisco dizer que não seria também exagero conferir ao museu a dimensão de livro (e ao livro a dimensão de museu ou exposição, no caso de Nosso corpo estranho), pois o pacto que estabelecemos enquanto leitor diante de um livro, e enquanto público diante de uma exposição, é mais ou menos o mesmo. Assim como o museu apresenta sua narrativa como um narrador onisciente o faria, criando uma representação em miniatura do mundo, me sinto em condição de leitora ao entrar em uma exposição. 

Em Nosso corpo estranho, a sensação de ser leitora e visitante é aguçada também por se tratar de uma retrospectiva do artista, caracterizada pela soma de episódios da vida de um mesmo personagem que dão o tom da trama. Ao longo da exposição-livro, nos vemos diante das etiquetas das performances, colagens, instalações e pinturas que João Pedro realizou ao longo de sua breve, intensa e problemática passagem pelo mundo da arte. Enquanto leitores-visitantes, cabe-nos reconstruir não só o sentido mas as imagens dessas obras, tendo como único suporte a palavra escrita. Na pesquisa que deu origem ao livro, Pujol, parodiando uma expressão de Enrique Vila-Matas, diz transformar a “exposição portátil” em um “livro de parede”, espelho invertido da narrativa impressa. Da mesma forma com que, coberto com a narrativa certa, tudo pode se transformado em objeto de museu, aparentemente tudo também pode caber em um livro.

Nosso corpo estranho, de Reginaldo Pujol Filho
120 páginas
Fósforo, 2024

Lançamento com sessão de autógrafos
sábado, 19/10, às 16h, Livraria Clareira (R. Henrique Dias, 111 – Bom Fim, Porto Alegre)

 


Sofia Perseu é pesquisadora e museóloga em formação pela UFRGS, desenvolvendo projetos interdisciplinares em literatura e arte educação, como o Orelha, plataforma de pesquisa e produção de conteúdo sobre livros e literatura, e o livro Viagem para dentro de mim – Experiências poéticas em arte educação (2020). Além de ter passado pela Livraria Baleia como livreira e produtora cultural, coordenou o Educativo da Associação Cultural Vila Flores (2019 – 2021) e integrou o Projeto Educativo da 13ª Bienal do Mercosul. Atualmente, faz parte da equipe de coordenação do Educativo da Casa de Cultura Mario Quintana.

 


As opiniões emitidas pela autora não expressam necessariamente a posição editorial da Matinal.

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