Entrevista

Saldo positivo: entrevista com Humberto Gessinger

Change Size Text
Saldo positivo: entrevista com Humberto Gessinger Foto: divulgação | Projeto Música no Memorial (Ministério Público do RS)

Luís Augusto Fischer – Aos 60 anos de idade e quase quarenta de vida artística pública (com disco gravado e tal), dá alguma tentação de fazer balanço panorâmico? E dá pra evitar essa tentação? E qual balanço é?

 

Humberto Gessinger – Esta mirada mais ampla é fundamental pra não ser triturado pela fragmentação do dia-a-dia. Mesmo que a gente não tire conclusões muito objetivas pois são muitas as facetas desta arte/ofício, vamos lá: 

Como compositor, não mudei. Como “performer”, melhorei bastante. Além de tímido, eu era muito imaturo e tinha noções muito erradas sobre o que esta palavra significa. Aprendi a fazer show. Canto e toco melhor, mas estou com os dentes mais amarelos e a coluna mais curvada. No fim, o saldo é positivo. 

Como arranjador e formador de bandas, tô mais calejado. Perdi algumas ilusões sobre a generosidade e paciência dos colegas e do público, mas ganhei milhagem e ampliei horizontes. Como personalidade pública, tô muito pior. Desinteressado e desinteressante. Não tenho agenda nem lugar de fala que me interesse para além da palavra cantada.

LAF – A geração boomer no Brasil – os emepebistas, os tropicalistas, Jorge Benjor e Paulinho da Viola e outros – alcançou os 80 anos produzindo e fazendo shows, mantendo no ar, vivos, os estilos que eles forjaram. Nunca antes na história da canção popular uma geração tinha durado tanto. E a tua geração, genericamente a geração do rock oitentista, que alcançou os 60 firme e forte, tu acha que vai até os 80 também? Um estilo de canção dura tanto quanto quiser?

HG – Pois é, antes teve uma geração que morreu aos 27, né? Engrossando a mística do artista romântico derrubado pela vida real. 

Não sei se a longevidade tem a ver com o estilo. Espero que não pois do roque se espera que tenha síndrome de Peter Pan e eu já nasci velho.
O que eu noto é que, com o fim da indústria fonográfica, ficou muito difícil criar público. Só parece ser possível com alguma coisa extramusical que choque as redes sociais. Então, quem já formou público, pela primeira vez na história, vai poder ficar por aí pelo tempo que quiser. Por mais que seja estranho ouvir anciões cantando amor adolescente. Quanto à MPB clássica, que sorte a nossa que esses caras construíram um país para nós! Vida longa, vida eterna!

 

LAF – Como foi no teu caso a transição entre a Era das Grandes Gravadoras e a Era Digital? Foi fácil? O que ficou pelo caminho nessa mudança (e que não se recupera mais) te parece agora relevante? Ou era mesmo algo a se misturar com a poeira do tempo?

HG – Eu tive a sorte de encontrar um escritório, a ShowBrás, que fazia a interface com a indústria. Eu passava minhas ideias para eles e eles iam lá viabilizar. Então, pra ser bem sincero, nem lembro como eram as gravadoras. Outra sorte que eu tive, à época parecia um azar: estar numa gravadora que não entendia muito o que estava acontecendo na mudança da guarda dos oitenta. Aí a gente foi fazendo nossa estrada, à sombra. Eles se surpreenderam com o sucesso e nos deram carta branca. Acho que olhavam pra mim e pensavam: este alemãozinho faz tudo errado e dá certo, deixa ele quieto, não vamos mexer ali. Assumo todos os erros e acertos.

Só tenho saudade do tamanho e formato das capas de LP e da possibilidade de ter lado A e lado B. Era um luxo montar dois programas. Dois inícios e dois fins pra cada disco. Aí veio a tecla SKIP e foi todo mundo direto pro filé.

 

LAF – E o que foi ganho nessa passagem?

HG – Não ter que passar pelo funil do grande mercado cujo polo de atração para o mediano é quase insuperável. A gente falava pra dois jornais, eles distorciam algumas aspas, o Brasil inteiro lia e tu precisava de três anos pra desfazer aquela narrativa. Tocava uma música só do disco na rádio e tu precisava de três anos pra avisar que havia outras 10. Pra quem tá começando deve ser mais difícil. Mas pra mim nunca foi tão bom quanto agora.

 

LAF – Como anda a tua produção de livro? Foram experiências marcantes os cinco livros publicados já mais de dez anos atrás, certo? Eles ainda circulam? Te parece que eles mantêm interesse de leitores que estão chegando?

HG – Não é pra mim o mundo dos livros. Tem uma pomposidade que eu não entendo. As pessoas acham que todo mundo quer escrever a Bíblia, a Constituição ou um Atlas. Uma vibe “coach” mesmo na ficção. Do jeito que as coisas são postas, escritores estão mais próximo do significado original da palavra influenciador do que músicos. Não é pra mim. Mas eu gosto de ler e gostei de ter lançado.

RELACIONADAS
;
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.