Crônica

Resenha da Ospa

Change Size Text
Resenha da Ospa Foto: Vinicius Angeli

Era uma vez um guri, lá do interior, que na casa dele tinha uma geladeira que pegava a rádio Cultura, depois das sete da noite de domingo. 

Certa vez, ele estava tomando mate e comendo rapadura de melado, aí a mulher da rádio anunciou que, dali a uns dias, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre ia fazer um concerto.

O guri largou a cuia, limpou a mão melecada no pano de prato, disse tchau mãe, tchau pai, calçou as sete-léguas e partiu, a pezito, na direção da capital.

Cinco dias e cinco noites mais tarde, ele assistia à sua primeira sinfoni. 

***

Segundo pesquisas, as pessoas se dividem entre as que dizem Óspa e as que dizem Ôspa. 

Entre as que vão a todos os concertos e as que só aparecem quando o maestro é o Manfredo Schmiedt. 

Entre as que soltam a tosse apenas na pausa entre movimentos e as que espirram como se estivessem tocando fagote. 

Entre as que aproveitam os concertos pra chorar e as que aproveitam pra tirar um cochilo.

Quanto aos músicos que compõem a orquestra, tem uns que vieram de longe, de outros estados e países, só pra tocar na Ospa, e tem outros que nem nós, da capital ou do interior, só que com talento. 

***

A Ospa, a gente fica olhando, ouvindo, pensando: por que alguém vira músico erudito?

Conta aí, violista. Conta aí, tu que toca essa curiosidade chamada corno-inglês, tu que é “segundo violino”, diz pra nós o porquê, tu que é oboísta. 

Fala pra nós sobre o que tu faz: por que tu não foi tocar a firma do teu tio, por que tu não virou guitarrista, farmacêutica, fabricante de rosca de polvilho na padaria KS, professora de engenharia plástica, gari, auxiliar administrativo de Sapucaia do Sul?

Agradecemos.

Porque a Ospa nos dá equilíbrio, uma sensação de que a gente está no mundo, no tempo; uma certeza de que fazemos sentido.

***

Baita programa: sábado de tarde, sentar sob as árvores do Centro Administrativo, ficar ouvindo os sabiás antes de entrar na casa da Ospa.

Numa dessas, veio um senhor puxar assunto.

Disse que, de piá, morava lã no interior, que pegava a rádio Cultura na geladeira, e que um dia ele se largou a pé pra capital só pra ver um concerto.

 


Paulo Damin é tradutor e escritor, autor de oAdriano Chupim (Martins Livreiro). Publicou na Parêntese o folhetim A lenda do corpo e da cabeça.

 

RELACIONADAS
;
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.