Crônica

O imperador do Universo

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O imperador do Universo Elon Musk | Foto: Trevor Cokley/US Air Force

Ainda ontem, lendo The Guardian, um dos principais jornais ingleses, me deparei com uma chamada de capa para um artigo de Bruce Daisley, ex-vice-presidente para Europa, Oriente Médio e África do Twitter (X). Foi o mais importante executivo do Twitter fora dos Estados Unidos. Ele afirma que Elon Musk não está acima da lei e pede a sua prisão. Musk é acusado de ser o principal responsável por incidentes graves de brigas que vêm ocorrendo na Inglaterra. Segundo Daisley, o conceito de liberdade de expressão (free speech) que algumas empresas de tecnologia do Vale do Silício estão praticando é muito diferente do que existia no tempo em que trabalhou lá. Pretendiam ser a “global town square“, um espaço comum, onde todos poderiam debater boas ideias, “e onde todos sabiam que comportamentos antissociais não seriam tolerados”. Mas o grupo que defendia isso foi sendo soterrado “por um grupo (homens brancos), agindo agressivamente contra o resto da sociedade, incluindo mulheres, a comunidade LGBTQ+ e minorias étnicas”.

Ele diz que a ideia de liberdade de expressão que existe entre alguns bilionários do Vale do Silício não existe no resto do mundo. O Human Rights Act, lei britânica de 1998, “assegura que se expressar livremente inclui a responsabilidade pelo que se diz. As leis do Reino Unido asseguram que falar livremente não seja usado para incitar a criminalidade ou espalhar o ódio”.

Quem lê a biografia do Elon Musk, escrita pelo renomado biógrafo Walter Isaacson, (o mesmo que escreveu a biografia de Steve Jobs) conhece uma parte de quem ele é, das loucuras que é capaz de fazer e das suas ambições. Uma delas é colonizar Marte, antes que a Terra se torne inabitável. É dono de muitas empresas, como X (ex-Twitter), Tesla, da Space X, PayPal, Starlink, SolarCity, Neuralink.

Elon tem Síndrome de Asperger, espécie de autismo, e pessoas com essa condição têm interesses intensos e altamente focados, dificuldade para interagir socialmente, manter o contato visual, expressão facial, gestos, expressar as próprias emoções e fazer amigos. Além de manias, apego excessivo a rotinas, ações repetitivas, interesse intenso em coisas específicas, dificuldade de imaginação e sensibilidade sensorial. Interpretam o ambiente ao seu redor de forma diferente das outras pessoas. Sobre o uso das redes sociais, Musk disse: ‘Eu às vezes digo ou posto coisas estranhas’. Em 2020, ele passou a usar as redes sociais para questionar a gravidade da pandemia de coronavírus.

Entre outras esquisitices, deu o nome de X Æ A-12 Musk para um de seus filhos. “A pronúncia é como um gato correndo pelo teclado”, disse Musk.

Defende que as redes sociais podem veicular absolutamente tudo. Quando comprou o Twitter, por 44 bilhões de dólares, muitos acharam uma loucura. Mas a maior loucura viria depois. Demitiu 80% dos funcionários, mudou o nome para X, abriu as portas a todo o tipo de malucos e foi eliminando moderação de conteúdo, não querendo nem mesmo remover discursos de ódio, perseguições, mentiras e desinformação. Durante a compra do Twitter, o jornal New York Times escreveu que Musk emergia como “um ator novo e caótico no palco da política global”.

Ele é daquela turma que surgiu no Silicon Valley, que defende o vale-tudo nas redes sociais. Não importa se o que é colocado (e turbinado) no X possa destruir carreiras, vidas, provocar suicídios, perseguições, espancamento, causar guerras, permitir assassinatos, entre tantos absurdos. E ele tem conseguido.

Observo, espantado, que grande parte dos governantes do mundo anunciam coisas por ali. Grande parte das intrigas é causada ali. Grande parte das mentiras é veiculada ali. Musk agora chegou ao extremo de contrariar as próprias diretrizes do X, que é (era) de não veicular informações criadas ou distorcidas através do uso de Inteligência (?) Artificial. Ele mesmo tem propagado informações usando IA para colocar imagens e áudios na boca de pessoas que nunca disseram aquilo. Tornou-se “um megafone para adversários externos e a favor dos grupos marginais de extrema-direita” (far-right fringe groups).

Outra empresa “polêmica” do magnata é a Neuralink, que já implantou chips em cérebros humanos, com o objetivo de conectar cérebros a computadores. Ele pensa que, com isso, vai poder resolver problemas de alzheimer, parkinson, cegueira, paralisia, depressão, obesidade, sono. Quer substituir neurônios defeituosos ou ausentes e que as pessoas possam se comunicar pelo pensamento, no futuro. Move-se para controlar o cérebro das pessoas?

Em outra frente, tão ou mais nociva, a Space X, usa sua imensa rede de satélites, espalhada pela atmosfera terrestre, para obter informações, espionar, permitir ou não a localização de pessoas e alvos, militares ou não, a serem bombardeados por governantes amigos.

Foi assim com o presidente da Ucrânia, que teve que implorar a Musk para receber informações de onde estavam alvos militares russos em terras ucranianas invadidas. Isso consta na biografia dele, que se propôs a resolver a guerra Rússia-Ucrânia através de uma enquete global pela sua rede social.

Muitos dos satélites que a NASA lança são feitos através de foguetes de Musk. Quem circula pela Amazônia brasileira, como eu já fiz, vê muitas aldeias indígenas, reservas de seringueiros e outras populações com antenas de satélite vendidas pela Starlink de Elon Musk. São centenas de satélites, formando uma rede rápida e de alta capacidade, atingindo regiões que as operadoras atuais de telecomunicação ainda não alcançam. Se algum dia ele resolver “desligar” seus satélites que cobrem a Amazônia, provavelmente todos os que habitam a floresta ficarão sem qualquer tipo de comunicação.

Através de suas redes sociais, satélites, e com dinheiro grosso, apoia campanhas e governos pelo mundo. Ou propaga ódio e intrigas, tanto para eleger candidatos dele, como para derrubar democracias. Os candidatos ou governantes que apoia têm sempre um viés autoritário.

O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, chamou Elon Musk de “bilionário arrogante” após um tribunal do país ordenar que a rede social X impedisse a circulação de vídeos do ataque a uma igreja em Sydney. Albanese disse à emissora ABC News que Musk “pensa que está acima da lei, mas também acima da decência comum”.

A União Europeia anunciou em 2023 uma investigação da rede social X para apurar suposta propagação de conteúdos terroristas e violentos, além de discurso de ódio, após o ataque do Hamas a Israel. No Brasil, pediu a renúncia ou o impeachment do ministro do STF, Alexandre de Moraes. E apoia a extrema-direita abertamente.

Nas Nações Unidas e na União Europeia Musk tem sido criticado por ter banido contas de jornalistas na rede social. Constantemente ele usa memes, que posta nas madrugadas insones, para tentar desmoralizar governantes.

Nos EUA, Elon Musk está em pé de guerra com o Estado de Delaware, depois que teve problemas com a Justiça local. “Nunca registre sua empresa no Estado de Delaware”, escreveu o bilionário americano em mensagem no X. Na Bolívia foi acusado de organizar um golpe contra Evo Morales para obter o lítio, material usado na fabricação de baterias na Tesla.

Existem muitas acusações e processos contra ele e suas empresas: assédio sexual, moral, maus tratos, tanto por parte de chefias, como dele próprio. A tudo, ele responde pelo X. A questão é que as leis e os governos se movem muito mais lentamente do que Musk. Enquanto isso, ele está formando a sua “bancada” de presidentes e ditadores pelo mundo! Com que intenção? O que ele quer mesmo é ser mais do que o dono da Terra. Como sua obsessão é conquistar o planeta Marte, talvez sua intenção seja ser “O Imperador do Universo!”.


Alfredo Fedrizzi é pai da Lissa (38), Laura (34) e Maria (6 anos), fazendo Mestrado em Antropologia na Universidade de Lisboa, atuando em Conselhos de Administração no Brasil, ex-professor de Televisão na PUC, ex-publicitário.

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