Reportagem

Voluntários denunciam más condições de abrigos da prefeitura para animais

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Voluntários denunciam más condições de abrigos da prefeitura para animais "Cachorros ficaram na área externa dessa sede campestre", relata veterinária voluntária. Foto: Médicos-Veterinários de Rua

Foram 615 mil pessoas desalojadas, em todo o território do Rio Grande do Sul, pelas cheias e enxurradas que atingiram o estado em maio – e, com essas famílias, dezenas de milhares de animais de estimação também perderam o lar. Cerca de 20 mil animais precisaram ser resgatados em meio às enchentes. 

Foi nesse contexto que a veterinária Mariana Teixeira precisou montar um abrigo em Porto Alegre. Ela é coordenadora da organização Médicos-Veterinários de Rua, que atende a animais e tutores em situação de vulnerabilidade social. Primeira a chegar com doações no alojamento temporário montado em estruturas da Brigada Militar na Avenida Aparício Borges, se viu à frente da coordenação do local.

“A prefeitura simplesmente me largou com os cães, virou as costas, e eu acabei organizando a mobilização em função de ser professora universitária e ter contato com alunos. A gente acabou ganhando uma notoriedade como ponto de coleta e envio de doações”, relatou a veterinária.

O abrigo na Aparício Borges rapidamente se tornou um ponto de referência para a comunidade. Eram, inicialmente, 82 cães. Gradualmente alguns tutores encontraram alternativas e o número baixou para 67, ainda em maio.

“A gente deu toda a estrutura para esses animais. Cama, o que a gente tinha de casinha, caixas de transporte, guia coleira, medicações, ração, xampu, controle de ectoparasitas, acompanhamento veterinário. E, para nossa surpresa, a saída foi uma coisa muito brusca. Eram mais ou menos 9 horas da manhã e estacionaram sete ou oito ônibus da Carris e as pessoas começaram a ser organizadas para esse deslocamento”, contou a veterinária.

Pessoas abrigadas e seus animais foram realocados às pressas

Mariana avalia que houve uma “falta de comunicação” entre a prefeitura e a Brigada Militar, que cedia o espaço, o que complicou a situação. “A gente não era um serviço oficial, éramos voluntários. Ficamos sem intervenção direta da prefeitura por umas três semanas. Até que tivemos uma intercorrência importante com um dos cães que precisava de atenção urgente”, relata. 

A situação se agravou quando, sem aviso oficial, os tutores foram informados do fechamento do abrigo em 11 de junho. “Na semana do dia 7, 8 de junho, ficamos sabendo por intermédio dos abrigados que o abrigo seria descontinuado. Começamos a nos organizar preocupados com tutores que tinham muitos cães e não tinham para onde ir”, conta a veterinária. 

Pessoas abrigadas e seus animais foram realocados às pressas, com seus pertences em sacos de lixo, e foram destinadas a locais até então incertos, sem que se soubesse sobre aspectos como localização, infraestrutura e qual o tempo possível de permanência. Um deles ficava em uma estrutura cedida no Morro do Sabiá, na sede campestre de uma entidade privada.

“Não tinha atendimento veterinário da prefeitura, os cachorros ficaram na área externa dessa sede campestre, não tinham espaço adequado para os gatos, que foram movimentados e deslocados dentro de caixas de transporte que a gente forneceu. Gatos não podem ficar dentro de uma caixa de transporte, pelo perigo de fuga, pelo risco de se machucar. A gente recebeu algumas fotos e cobrei a prefeitura, fiz uma pressão, não tivemos nenhuma resposta. A partir desse momento, quando publiquei um vídeo nas redes, qualquer possibilidade de contato que eu tinha com a prefeitura foi suspenso”, narra a veterinária. 

Marina diz que os animais foram “basicamente abandonados”. Alguns tutores, na situação de serem deslocados para no outro dia realizarem outra mudança, revoltaram-se e rumaram de volta para a região das Ilhas, mesmo em condições ainda precárias, com as casas desestruturadas, e acabram ficando em barracas.

O desafio logístico do deslocamento dos animais para o abrigo seguinte – e posteriormente para outros locais – revelou mais falhas na gestão da crise. A situação nos alojamentos subsequentes foi descrita como precária, improvisada, inadequada para receber animais. “Recebemos imagens dos animais mal acomodados, sem estrutura adequada.”

Depois de pressão nas redes sociais, medidas foram tomadas, incluindo a intervenção de veterinárias contratadas para estruturar temporariamente abrigos na Avenida Juca Batista e, posteriormente, no SESI do bairro Rubem Berta, em lados opostos da cidade.

A despeito dos problemas, voluntários como Mariana Teixeira continuam a cuidar dos animais remanescentes, fornecendo suporte veterinário e lar temporário. “Mantemos contato com os tutores e estamos tentando garantir o melhor para os animais que ainda precisam de cuidados especiais”, afirma.

O grupo de voluntários seguiu em contato com profissionais enviados pelo município, ainda enviando insumos para esses locais. “A prefeitura não forneceu esses insumos básicos para nenhum dos locais”, relata a veterinária.

A reportagem da Matinal questionou, na sexta-feira (21), a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) sobre as denúncias relatadas. A pasta repassou a demanda para o Gabinete da Causa Animal do governo que não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para a manifestação da administração pública.

A prefeitura noticiou, na semana passada, que está “mobilizando esforços” de assistência a animais desabrigados, em recursos financeiros e em iniciativas de acolhimento. Para ações imediatas de socorro, foram destinados R$ 70 mil do Fundo Municipal dos Direitos Animais (FMDA), com mais R$ 180 mil do governo federal. O Ministério Público, através do Fundo de Recuperação de Bens Lesados, repassou R$ 991,8 mil, que foram utilizados para a compra de testes, vacinas, medicamentos, insumos e equipamentos veterinários. O governo informa que liberou R$ 1,9 milhão do orçamento municipal para a demanda dos animais até o final do ano, com R$ 370 mil já destinados ao pagamento de veterinários e albergagem. São 60 profissionais contratados, já em atividade.

 “Animais não tinham espaço adequado, não tinham atendimento veterinário da prefeitura”, relatou voluntária

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