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Prefeitura pede reconsideração de decisão judicial sobre elaboração de plano antienchente

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Prefeitura pede reconsideração de decisão judicial sobre elaboração de plano antienchente "Tese de negligência na atuação pretérita do ente público mostra-se simplista e ignora que nenhum sistema de proteção foi pensado ou estava preparado para um evento climático desta grandeza”, diz PGM. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

A prefeitura de Porto Alegre formalizou um pedido de reconsideração sobre a determinação judicial de apresentar um plano detalhado para o enfrentamento a enchentes. A solicitação foi encaminhada ao judiciário na sexta-feira, no fim de um prazo para o cumprimento da decisão, que havia sido proferida em 12 de junho, após ação civil pública movida por entidades que viram na falta de manutenção do sistema de proteção contra enchentes a causa para o alagamento de cerca de 30% da mancha urbana da capital. Agora, o pedido será analisado pelo juiz Thiago Notari Bertoncello e não há prazo para resposta. 

Para a prefeitura, contudo, houve “inocorrência de omissão estatal” – isto é: não teria havido descuido por parte do poder público – e existem já planos e ações locais em curso para resposta à calamidade pública. O documento no qual se solicita a reconsideração é assinado pelo procurador municipal Ericksen Pratzel Ellwanger e pelo procurador-geral do município Roberto Silva da Rocha.

Entre os argumentos utilizados pelo governo está a magnitude do evento, que se tratou da maior catástrofe climática da história do estado. “Se levado em conta o intervalo de 30 dias, a partir de 27 de abril, quando começou o período chuvoso, até o começo da manhã de 27 de maio, o volume na estação do Jardim Botânico somou absurdos 664mm, ou 44% da média anual inteira”, afirma a peça, que tem 21 páginas, nas quais a Procuradoria-Geral do Município (PGM) argumenta pela reavaliação da liminar que estabeleceu o prazo de dez dias para a apresentação do plano.

A partir desses dados, para a prefeitura, ficaria evidente que a magnitude da catástrofe seria suficiente para ultrapassar a capacidade de resposta dos poderes públicos, em especial dos órgãos municipais. A PGM argumenta que o sistema de proteção contra enchentes foi projetado de acordo com eventos meteorológicos previsíveis, mas que a calamidade enfrentada em maio teria ultrapassado “em muito” qualquer outra cheia, incluindo a histórica enchente de 1941.

“Resta claro que a tese de negligência na atuação pretérita do ente público mostra-se simplista e ignora que nenhum sistema de proteção foi pensado ou estava preparado para um evento climático desta grandeza”, argumenta a administração municipal.

Peça repete argumento usado por Melo sobre sistema de proteção 

A tese de que o conjunto de defesas da cidade não seria concebido para essa quantidade de água já foi defendida pelo prefeito Sebastião Melo (MDB). Em uma entrevista coletiva dada em 21 de maio, por exemplo, ele culpou a concepção do projeto. “O sistema de proteção vem de 68, 69, quando o Thompson Flores era prefeito. Eu sou o 13º de lá pra cá, o sistema, suas manutenções, seu tempo… Ele precisa ser revisitado”, afirmou. 

No início das enchentes, porém, três especialistas ouvidos pela Matinal apontaram a falha de manutenção como catalisadora da inundação de Porto Alegre. O sistema, ressaltaram eles, foi projetado para suportar um Guaíba em uma cota de 6 metros de altura, maior do que o pico registrado na atual enchente, que ficou em torno de 5,33m.

No fim de junho, o Dmae anunciou que estava elaborando um projeto para fechar permanentemente oito das 14 comportas – que integram o sistema de defesa. Questionado sobre o embasamento técnico, o órgão informou que o projeto técnico ainda estava em elaboração. Também em junho, a prefeitura reconheceu, em um slide de uma apresentação, que o Muro da Mauá – uma parte do sistema que não necessita de manutenção constante – foi a única estrutura dos equipamentos que protegem a cidade contra as cheias que não tinha falhado.

Além disso, a prefeitura argumenta que não ficou inerte diante da situação e que foi curto o prazo disponibilizado pela justiça. “A Administração Municipal já estava ativamente trabalhando em soluções para mitigar os efeitos das enchentes e garantir a segurança da população, de forma absolutamente independente de intervenção judicial”, diz o documento. Ao longo de oito páginas são descritas as ações do governo para mitigação dos efeitos da enchente – como o Plano Porto Alegre Forte e um Relatório Técnico Preliminar de Impactos da Cheia de Maio de 2024 na Infraestrutura de Drenagem Pluvial e Proteção Contra Cheias de Porto Alegre, elaborado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e anexado à peça. 

O governo defende que a administração pública municipal possui autonomia para definir suas políticas públicas, e que uma intervenção judicial só seria justificável em casos de ausência ou deficiência grave de serviço, o que não se verificaria no caso, segundo argumenta. A prefeitura diz que não há prova de que a atuação governamental poderia impedir a catástrofe – essa interferência judicial, portanto, afrontaria o próprio Princípio da Separação dos Poderes.

Município alega responsabilidade compartilhada com a União

A defesa do município solicita que seja reconhecido o cumprimento da liminar, sem a necessidade de novas apresentações de planos. Caso mantida a decisão, a prefeitura alega que há “responsabilidade compartilhada” com a União. O argumento é que o governo federal tem, por obrigação constitucional, papel de planejar a defesa contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações. “O Município de Porto Alegre sequer teria condições financeiras e materiais para executar todas as ações consideradas ideais ao restabelecimento da normalidade plena sem o recebimento de recursos federais, posto que também foi vitimizado em sua estrutura”, diz o documento. Se a União fosse instada, o caso deveria seguir à Justiça Federal. 

A Procuradoria-Geral do Município tenta também, nas páginas finais da peça, outra estratégia: se não acolhido o pedido de reconsideração, o município pede recebimento da petição como “embargos de declaração”, um instrumento jurídico através do qual se pede esclarecimento sobre a decisão proferida, na hipótese de alguma obscuridade, contradição ou omissão no despacho – nesse caso, o prazo e os efeitos da liminar seriam suspensos até o julgamento definitivo.

Entenda o caso

A ação civil pública que resultou na liminar foi protocolada no dia 7 de junho pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e pela Associação de Juristas pela Democracia (Ajurd), exigindo medidas imediatas da prefeitura para enfrentar a crise das enchentes. Representantes dessas entidades chegaram a realizar um ato simbólico em frente ao Foro Central.

O plano deve incluir o mapeamento das áreas de risco e a drenagem de áreas então represadas, a realização da limpeza e desinfecção de áreas afetadas e a garantia de acesso a água potável e eletricidade, e da situação específica dos bairros Humaitá, Sarandi, Anchieta e Arquipélago, detalhando as medidas já tomadas e um cronograma para as ações futuras.


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