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Mais de um mês depois da inundação, moradores do Sarandi são recebidos pela prefeitura

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Mais de um mês depois da inundação, moradores do Sarandi são recebidos pela prefeitura Bairro foi o mais atingido pela enchente de maio | Foto: Geovana Benites/Matinal

Com mais de 26 mil moradores atingidos e quase 40 mil residências debaixo d’água, o Sarandi foi o bairro mais afetado pela enchente que alagou as ruas de Porto Alegre. Na segunda-feira (3), o prefeito Sebastião Melo participou de uma reunião com representantes da região, porém, moradores alegam que souberam do encontro por grupos de WhatsApp, sem um convite oficial vindo da prefeitura. 

O encontro aconteceu cinco dias depois dos moradores realizarem protestos reivindicando o conserto imediato do dique rompido no bairro, além da retirada da água em pontos que ainda estão alagados. Um dia antes da manifestação, no dia 28 de maio, Melo foi até o bairro vistoriar a recomposição de pontos do dique, que seria realizada pela Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb).

O líder comunitário Jean Rodrigues, que teve a casa e a barbearia que administra atingidos pela água, participou do encontro com o prefeito. “Eu fiz de tudo para estar nessa reunião e compartilhar os anseios da comunidade, da maioria das pessoas que eu conheço de lá”, conta Jean, que ficou sabendo do encontro pelo grupo de WhatsApp do bairro. 

Questionada sobre como e quando os moradores da região foram convocados para a conversa, a prefeitura não respondeu até o fechamento desta reportagem. Além disso, a nota divulgada pela prefeitura não informa quantos moradores compareceram.

Na manhã de segunda, houve uma alteração no local, que seria na rua 21 de Abril, no Sarandi. A reunião ocorreu no Instituto Ling, no bairro Três Figueiras, a quase 9 km de distância do endereço inicial. Jean conseguiu se organizar para estar presente apesar da mudança. Mas nem todos  moradores que gostariam de comparecer ao encontro puderam ir. 

Residente do bairro Santa Rosa de Lima, ao lado do Sarandi, Priscila Aguiar Correa diz que a troca de local feita de última hora impossibilitou sua participação.

“Soubemos domingo de noite que teria essa reunião e agora de manhã (na segunda-feira) a gente soube que tinha sido cancelada. Mas há pouco vazou o novo endereço, mesmo depois da gente perguntar, catar e ir atrás”, conta Priscila, que já foi conselheira do Orçamento Participativo (OP) da região. 

“Quando eu descobri o local, eu estava trabalhando e era quase o horário marcado, não dava tempo de chegar nem de Uber. E eu também não tinha nem dinheiro para isso”, conta Priscila. 

Prefeitura prometeu duas novas bombas da Sabesp

“O que eu tirei como promessa da reunião é que a chave passa a virar a partir de hoje (segunda), e a Prefeitura de Porto Alegre vai reunir todos os esforços para que nós possamos voltar o quanto antes”, conta Jean, que está há 30 dias hora de casa. De acordo com o líder comunitário, o combinado foi de que seriam instaladas mais duas bombas nesta terça-feira (4) para continuar drenando o bairro visando tirar a água que invade as ruas da comunidade. As bombas são da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). 

Em nota, a prefeitura comunicou que a Secretaria de Serviços Urbanos (SMSUrb) deve começar o trabalho de recomposição de um ponto rompido do Dique do Sarandi, na área da Vila Minuano. Além de Melo, participaram os secretários municipais de Habitação, Simone Somensi, da Fazenda, Rodrigo Fantinel, de Serviços Urbanos, Assis Arrojo, e diretores do Dmae, Maurício Loss e Darcy Nunes dos Santos.

Jean destaca que os moradores presentes puderam contar suas dificuldades de acesso a auxílios. “Isso, para mim, foi o ponto mais importante”, conta o representante da comunidade. 

À Matinal, muitos moradores confirmaram que foram cadastrados para receber o Auxílio Reconstrução, mas ainda não receberam o recurso. “Teve um pessoal da prefeitura vindo aqui e cadastrando os moradores, até colocaram o aplicativo no meu celular, mas até agora nada de dinheiro”, conta um morador da rua José Humberto Branca, que preferiu não se identificar.

A prefeitura informou que realizou o cadastro de mais de 61 mil moradores, mas não especifica de que bairros são os beneficiários. 

Ruas do bairro acumulam lixo e pontos de alagamento

No Sarandi, o cenário de destruição é a paisagem comum, como em tantas outras ruas de Porto Alegre mesmo depois de mais de um mês da cheia histórica. Mas por lá, os entulhos na frente do que restou das casas ainda convivem com a água dobrando a esquina.

A situação crítica também é ilustrada pela vestimenta dos moradores. A maioria usa galochas e luvas e contou com doações de materiais de limpeza nos últimos dias. O mau cheiro já foi bastante amenizado após as primeiras faxinas nas casas.

Nas ruas perto do Dique do Sarandi, o horizonte revela a água parada e casas ainda submersas. Das residências que podem ser acessadas por terra, o vapor dos lava-jatos sai junto com o lodo que a água levou para dentro. 

Os resíduos retirados das casas seguem nas calçadas. Fotos: Geovana Benites/Matinal

Moradora da rua José Humberto Branca, a comerciante Lisiane Machado ficou sabendo da reunião com o prefeito por grupos do bairro, mas preferiu seguir com a limpeza da casa e do seu armazém, ambos atingidos pelo avanço da água. 

Somente no último sábado (1), Lisiane conseguiu entrar na mercearia e desde então, conta com a ajuda de familiares para fazer a limpeza do local e tentar recuperar algumas mercadorias. “Estamos na parte de começar a organizar para tentar abrir o quanto antes, porque temos os salários dos funcionários para pagar, e também queremos ajudar a comunidade, pra que eles tenham um ponto perto que possam comprar o que precisam”, conta. 

O nível da água na mercearia de Lisiane chegou a poucos centímetros do teto.

A principal demanda da moradora é que os lixos sejam retirados das ruas, já que isso impede que mais resíduos sejam retirados e que a limpeza possa continuar. No bairro, a cada esquina uma montanha de entulhos que já foram móveis, eletrodomésticos e lembranças abarrotam as calçadas fazendo com que, em algumas ruas, os carros tenham que andar em ziguezague para desviar dos resíduos.

Na calçada em frente ao estabelecimento de Lisiane, a montanha de lixo impede inclusive o acesso à porta principal da mercearia. “Falamos com o pessoal do DMLU, que estão recolhendo lixo. Pedimos para eles passarem aqui, e eles disseram que estão seguindo por rua, mas a gente já viu que teve ruas que já passaram 3, 4 vezes e a nossa nenhuma”, conta a comerciante. Assim como Lisiane, outros moradores relataram não terem vontade de ir na reunião com o prefeito, preferiram tentar recuperar o que sobrou das casas. 

Focada em recuperar sua residência e seu comércio, Lisiane diz não ter motivação nem para os próximos protestos planejados por moradoras do bairro, já que, segundo ela, “não vai dar em nada”.

Acesso à mercearia é prejudicado pelos resíduos que ainda não foram retirados.


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