Reportagem

Justiça suspende obra de empreendimento no Chácara das Pedras por extrapolar limites do Plano Diretor

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Justiça suspende obra de empreendimento no Chácara das Pedras por extrapolar limites do Plano Diretor Projeto do empreendimento prevê 15 metros de altura e cinco andares. Foto: Filipe Speck/Matinal

A pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), a 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre determinou a suspensão de todas as obras do prédio Monjardim – Casas Suspensas, da ABF Empreendimentos Imobiliários, no bairro Chácara das Pedras. 

A decisão liminar, publicada no dia 12 de junho, é fruto de denúncia da Associação dos Moradores e Amigos do Bairro Chácara das Pedras ao MPRS, que ajuizou ação civil pública contra o município, apontando desconformidade do projeto arquitetônico residencial com o Plano Diretor. Segundo a ação, o empreendimento obteve licença sem seguir adequadamente as normas urbanísticas estabelecidas.

A construção, localizada na rua Dr. Barbosa Gonçalves, 316 e 358, estaria em discordância com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano ao ultrapassar o limite de altura de 9 metros, correspondente a três pavimentos, e o número máximo de unidades permitido para a região. A ABF, empresa responsável pelo projeto, foi ordenada a paralisar imediatamente as obras sob pena diária de R$ 10 mil no caso de descumprimento. No dia 21 de junho, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça indeferiu recurso da construtora, mantendo a liminar de paralisação. 

Conforme decisão, o projeto prevê a edificação de um imóvel com 15 metros de altura, excedendo em 6 metros o limite estabelecido para a área pelo Plano Diretor, além de ter previsão de 76 unidades, quando o máximo da região é 30.

À Justiça, o município defendeu que a licença “está em conformidade com o Plano Diretor e que o ato administrativo foi praticado em consonância com a legislação”. Em nota à Matinal, a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS) de Porto Alegre reiterou que o empreendimento cumpriu os trâmites legais. “O projeto obteve flexibilização da altura limite para a região permitida através de Estudo de Viabilidade Urbana (EVU), instrumento legal previsto para tal adaptação no projeto”, comunicou a pasta.  

Disputa levanta debate sobre “projetos especiais”

O empreendimento Monjardim foi classificado, durante o processo de licenciamento, como tendo finalidade de meio de hospedagem, o que permitiu seu enquadramento como Projeto Especial de Impacto Urbano, viabilizando a flexibilização de altura. Os projetos desse tipo incluem grandes empreendimentos que não estão alinhados com as diretrizes do plano vigente e precisam passar por aprovação individual pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA).

No licenciamento do Monjardim, entretanto, segundo o relator do processo na 4ª Câmara Cível do TJRS, “o enquadramento do empreendimento como Projeto Especial de Impacto Urbano, para autorizar eventuais flexibilizações de condicionantes urbanísticos, decorreu, no caso, de adaptação meramente terminológica, sem qualquer aprofundamento a respeito, tampouco de estudo de viabilidade urbanística ou motivação fundamentada”.

Segundo o arquiteto e urbanista André Huyer, responsável pelo laudo técnico utilizado na ação, além de infringir o Plano Diretor, o empreendimento pode descaracterizar o bairro, que é majoritariamente residencial. “Temos um Plano Diretor e código de obras para que a cidade tenha uma certa ordem e para que as obras de um não prejudiquem outros. Estão ocorrendo liberalidades inexplicáveis por parte da prefeitura, que fogem totalmente da intenção do Plano Diretor”, afirma Huyer.  

O terreno do edifício está abaixo do nível da rua, característica utilizada como argumento pela ABF para solicitar à prefeitura a flexibilização do limite de altura do prédio. “Se o terreno fosse em aclive, eles até poderiam justificar que o terreno sobe, então iriam escalonar para acompanhar a subida do morro, mas não, o terreno desce”, explica Huyer. “Na verdade, eles estão usando esse expediente dos projetos especiais para burlar o Plano Diretor. No meu entender, isso não tem justificativa”, conclui o arquiteto.

Leia também: Liberar o limite de altura é uma forma de não planejar a cidade, diz urbanista

Sobre o projeto ter sido aprovado com atividade de meios de hotelaria, a SMAMUS informou que o prédio é “como um misto entre hotel e residencial”. Segundo a pasta, o empreendimento é um “residencial service” com características de apart hotel (prédio de apartamentos com serviços de hotelaria), que teve EVU analisado e aprovado por conta da atividade. 

“Lugar que amplia a experiência do morar”

Simulação do empreendimento Monjardim – Casas Suspensas

“O Chácara é um bairro de casas, abraçado por praças, parques e muita natureza pelas calçadas.” É assim que o empreendimento Monjardim apresenta o Chácara das Pedras, um bairro com “personalidade essencialmente residencial”, segundo o anúncio. 

A publicidade do empreendimento é um dos pontos levantados no laudo técnico solicitado pela associação de moradores, já que nos materiais de apresentação do Monjardim não há menção às palavras hotel, hóspede ou hospedagem – o que reforça a ideia de que o edifício tem finalidade residencial.

Reprodução: site da ABF Empreendimentos

De acordo com Huyer, as plantas baixas do empreendimento não apresentam indicativos de que se trataria de um prédio destinado a “meios de hospedagem”, pois reproduzem padrões usuais de habitação multifamiliar – terreno que comporta várias moradias. “O que eles querem dizer com meios de hospedagem, que é como um gancho para que eles possam agarrar-se juridicamente, é que as pessoas podem comprar um apartamento e alugar como Airbnb [site de locação de estadias]”, diz o arquiteto.

Além da modificação da sombra das casas vizinhas e da alteração da circulação do vento, há também efeitos econômicos no entorno, explica Huyer. Edifícios construídos próximos a casas podem impactar negativamente o valor dos imóveis de menor altura e ocupação, já que potenciais compradores podem preferir áreas sem edifícios para evitar problemas como trânsito e orientação solar desfavorável. Ao mesmo tempo, o valor dos terrenos para construção de prédios tende a aumentar, o que pode influenciar na descaraterização de bairros predominantemente residenciais, explica André. 

Conforme a Associação dos Moradores e Amigos do Bairro Chácara das Pedras, há tratativas para um acordo entre o Ministério Público, a construtora e a vizinhança. Porém, nada ainda foi resolvido. 

O que diz a construtora

Sobre a classificação como “meio de hospedagem”, a ABF informa em nota à Matinal que “o Monjardin não é um empreendimento tipicamente residencial, mas sim de um conceito de moradia por assinatura — com gestão condominial e de locação da Housi. A função da Housi é gerir o condomínio — tanto para moradores como para proprietários que disponibilizam o apartamento para aluguel”. 

Além disso, sobre a altura do empreendimento, a construtora afirma que: “trata-se de um empreendimento de baixa estatura, até mesmo mais baixo do que muitos prédios construídos na mesma rua. Em 31 de maio de 2021, foi requerida à Prefeitura de Porto Alegre a flexibilização de altura de 11 (9 metros de corpo + 2 metros de acomodação do telhado) para 15,5 metros (ou seja, uma diferença de 4,5 metros, e não de 6 metros, como afirma a decisão agravada), assim como a solicitação de implantação da atividade Residence Service.”

Em relação às 76 unidades do empreendimento, a ABF afirma que o edifício não extrapola o limite, “uma vez que sua destinação será de Residence Service, devido às suas características próprias e, conforme, inclusive, está previsto na Convenção de Condomínio. Esse tipo de uso não está limitado ao número de 30 unidades”, informou.

Leia as considerações finais da nota da ABF:

A ABF Developments entrou com recurso para suspender a ação, uma vez que o empreendimento (em obras há mais de dois anos e já em fase de conclusão da supraestrutura) foi aprovado e executado conforme as leis municipais vigentes. A empresa também expressou ao Sinduscon-RS, por meio de carta, extrema preocupação com o ajuizamento da ação e com a liminar concedida — uma vez que se trata de um impacto contrário à segurança jurídica esperado para um projeto que obteve a licença de obra regular, embasado em ato administrativo válido, vigente e adequadamente fundamentado. Isso sem contar os reflexos negativos para a própria cidade de Porto Alegre do ponto de vista social e econômico — com impacto direto para mais de 50 funcionários envolvidos — em um momento importante de reconstrução do nosso Estado.


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