Reportagem

Apenas 0,17% da população da capital recebe alertas da Defesa Civil por celular

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Apenas 0,17% da população da capital recebe alertas da Defesa Civil por celular Apesar do problema de entrega dos avisos de perigo, a prefeitura dispõe de um Plano de Contingências de Proteção e Defesa Civil, aprovado em 2022. Foto: Giulian Serafim / PMPA

Depois das críticas por omissão no episódio de novos alagamentos ocorrido na quinta-feira passada, a Defesa Civil Municipal de Porto Alegre emitiu, na sexta-feira (24), um alerta para risco de deslizamento de encostas, e, no domingo, outro aviso referente a chuvas intensas. Ambos estavam válidos para segunda-feira. Os comunicados foram enviados aos celulares de 2.366 porto-alegrenses por SMS ou pelo WhatsApp.

Só que essa entrega cobre apenas 0,17% da população local. A Defesa Civil iniciou o serviço de envios em fevereiro.  

O órgão diz que tinha planos de fazer campanhas de cadastramento. “Porém, devido às demandas, não conseguimos”, afirmou o órgão à Matinal, sem mais detalhes. As mensagens também foram publicadas no site e nas redes sociais da prefeitura, onde os números de seguidores – 284 mil no Instagram, 211 mil no Facebook e 337 mil no X – também ficam bem abaixo do total da população da cidade, que segundo o Censo 2022, é de 1.332.845 pessoas. Só nas áreas de risco, Porto Alegre tem mais de 84 mil moradores

Na segunda-feira, o órgão disparou mais um alerta, dessa vez por ventos intensos, que poderiam causar queda de árvores e postes, cortes de energia elétrica e mesmo a subida de nível do Guaíba. Esse foi um dos avisos da Defesa Civil compartilhados no grupo de Whatsapp “Moradores do Partenon”, que reúne 569 membros vinculados ao quarto bairro mais populoso da cidade. 

Integrantes do grupo costumam espontaneamente compartilhar ali os alertas, copiando e colando os textos e materiais gráficos produzidos pelos órgãos de defesa civil do município e do estado. No caso do alerta de deslizamentos lançado na sexta-feira, mesmo as ruas e locais específicos de risco são citados – no caso do Partenon, o alerta valia para as proximidades do Arroio Moinho, mas eram citadas outras regiões de 26 bairros espalhados pelas zonas leste, sul e norte da capital.

No começo de maio, ainda antes da cheia histórica que afetou Porto Alegre, a subida do Guaíba já atingia a região das ilhas. Moradores foram avisados pela Defesa Civil, de acordo com a líder comunitária Sandra Noeli Ferreira, da Ilha do Pavão, entrevistada pela Matinal naquela semana. Em outro lado da cidade, porém, moradores reclamaram da ausência de alertas. Houve deslizamentos de encosta no Morro da Cruz, zona leste da capital, no mesmo dia, que provocaram quedas de residências. “O que provavelmente aconteceu é que a pessoa das ilhas recebeu porque é cadastrada ou viu através das redes, e a do Morro da Cruz não”, disse o órgão de proteção à reportagem, na época.

Plano de ação tem critérios bem definidos

A despeito da dificuldade da entrega dos avisos de perigo, a prefeitura dispõe de um Plano de Contingências de Proteção e Defesa Civil, aprovado em junho de 2022. O objetivo do documento é ordenar as atividades de resposta a catástrofes, em ações de socorro, assistência e reconstrução. Um dos anexos é chamado “Áreas de Muito Risco”, assinado pelo prefeito Sebastião Melo (MDB). Em sua introdução, o suplemento diz que os desastres estão “mais frequentes e intensos”, com aumento significativo dos danos econômicos, sociais e ambientais. São citadas regiões sob perigo de deslizamento e inundação, nas regiões de encostas de morro ou no arquipélago do delta do Jacuí, com informações do Serviço Geológico do Brasil.

Há uma tabela de critérios que determinam o nível de precaução, com parâmetros de temperatura, chuva, vento e nível do Guaíba.  O primeiro é “observação”, quando somente a Defesa Civil é envolvida, internamente, para monitoramento dos índices.

O segundo nível é o de “atenção”, quando a Comissão Permanente de Atuação em Emergências é comunicada pela Defesa Civil. Isso acontece, por exemplo, quando há previsão de chuvas de 40 a 50 milímetros em solo seco (isto é 50 litros de água por metro quadrado), ventos de até 50km/h ou temperaturas entre 5ºC e 10ºC nos meses de frio ou entre 32ºC e 35ºC nos meses quentes.

Os comunicados à população estão previstos apenas a partir do nível de “perigo”, quando há também previsão de atendimento às pessoas atingidas. Problemas causados por precipitações (mais de 50 milímetros em solo seco ou 40 em solo encharcado), ventos acima de 50km/h, temperaturas nos intervalos entre 0ºC e 5ºC ou entre 35ºC e 45ºC, ou da cota do Guaíba, com 2,5m no Cais Mauá ou 1,8m no estaleiro do bairro Arquipélago, demandam avisos.

O último grau é chamado de “crítico”, que requer a instalação de um Gabinete de Gestão de Crise, com participação da população porto-alegrense. Temperaturas extremas – abaixo de 0ºC ou acima de 45ºC –, chuvas acima de 60mm em solo molhado ou 70mm em solo seco, ou inundações do Guaíba, com cota acima de 3m no cais do centro da cidade.

Melo adota nova postura depois do caos da quinta-feira

Na quinta-feira passada (23), Porto Alegre recebeu mais de 100mm de chuva na maioria das estações de medição. O acumulado chegou a 130mm no Belém Novo e 109mm no Jardim Botânico, o que levou a cidade a um novo colapso, com o Guaíba em nível já de cheia e as tubulações de escoamento das águas pluviais sobrecarregadas. A inundação retornou a áreas que haviam secado, e pontos de alagamento chegaram a se formar mesmo em regiões mais altas, que não tinham sido atingidas nas semanas anteriores, mas que naquele dia foram alagadas pela água que voltava dos bueiros. 

A própria Defesa Civil Municipal publicou no site da prefeitura, ainda na segunda-feira anterior à enxurrada, um comunicado no qual alertava a possibilidade de precipitação intensa, com volumes de chuva variando de 60 milímetros a até 100 milímetros por dia, além de ventos fortes, de 60 a 100 quilômetros por hora, e queda de granizo, segundo previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “A Defesa Civil orienta que a população tome medidas de precaução, evitando sair de casa durante o período de alerta”, dizia o texto. 

Esse alerta, entretanto, não foi publicado na maioria das redes da prefeitura ou da Defesa Civil. Instagram e Facebook não tiveram posts de aviso, e, no X (antigo Twitter), o órgão de proteção compartilhou um comunicado do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com previsão de tempestade, com volume total de chuva podendo chegar a 100 mm em 24 horas, com ventos de até 100 km/h e queda de granizo.

Apesar das previsões, Porto Alegre sequer teve aulas suspensas na rede pública municipal, considerando escolas que não haviam sido atingidas nas semanas anteriores pela inundação. 

Na tarde daquela quinta, em entrevista coletiva, perguntado a respeito das ações da prefeitura diante da previsão de chuvas, Melo afirmou ter se surpreendido com o volume que caiu em pouco tempo, mas não com a quantidade de chuva. “A meteorologia dizia que poderia chover 80, 90, 100 mm espaçadamente, que começava na madrugada de hoje até a madrugada ou manhã de amanhã. Essa chuva intensamente aconteceu pela manhã”, argumentou.

Com previsões de tempo severo para o início desta semana, porém, a postura do governo municipal foi outra. O prefeito cancelou as aulas nas redes municipal e privada. “Diante das previsões do Metroclima e do INMET de chuva e vento fortes, decidimos pela suspensão das aulas na rede municipal e na privada de Porto Alegre na segunda e na terça. A medida é preventiva, pois não é possível ter certeza sobre horário de concentração das intempéries”, disse o prefeito, em seu perfil no X (antigo Twitter), no domingo.  Depois do decreto, porém, voltou atrás e liberou as atividades nas escolas particulares ainda na segunda.

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