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Política de prevenção não dá voto

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Política de prevenção não dá voto Resgate de famílias na Ilha dos Marinheiros | Foto: Giulian Serafim / PMPA

Os eventos climáticos de 2023 deixaram 75 mortos no ano passado. O primeiro de uma série de episódios graves foi em junho. Quase um ano depois, o Rio Grande do Sul revive cenas de terror, com pessoas penduradas em galhos de árvores e em cima de telhados aguardando socorro, outras carregadas pelas águas. Episódios semelhantes ao temporal que devastou o Vale do Taquari em setembro. 

E o que foi feito desde então para prevenir estragos da mesma magnitude?

Qual o protocolo para evacuação nos municípios mais atingidos? Onde estão essas informações? Por que o governador Eduardo Leite foi ao Twitter pedir ajuda do presidente Lula? Não existe um protocolo oficial de comunicação para casos graves como esse? Ou a ideia era só movimentar os seguidores? E por que só na quarta-feira veio o pedido, se desde o dia 25 de abril, quinta-feira da semana passada, já se sabia que o volume de chuvas seria excepcional, em um patamar próximo dos registrados no segundo semestre do ano passado? Não era possível deixar Brasília de sobreaviso desde então? 

O Piratini montou um Gabinete de Crise, o governador nomeou lideranças em postos avançados nas regiões mais afetadas, as forças de resgate estão fazendo o possível para salvar o maior número de vidas. Muito bem. Mas o que se fez para não chegarmos a esse ponto? 

Não existe cultura de prevenção no Rio Grande do Sul. Basta lembrar do escândalo que acaba de acontecer na capital mas que, por força das enchentes, já ficou em segundo plano. Caso alguém já tenha esquecido: 10 pessoas morreram em uma pousada que pegou fogo no dia 26 em uma área central da cidade. Contratado pelo município para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade, o local não tinha Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios (PPCI).

Três dias depois da tragédia, o secretário de Desenvolvimento Social de Porto Alegre, Leo Voigt, disse à rádio Gaúcha, com a maior naturalidade, que se fossem exigir PPCI de todo mundo “mais de 60% dos prédios de Porto Alegre terão que ser interditados.” Se fossem exigir, ou seja, não exigem.

Política ambiental e de moradia

Para mitigar os efeitos dos eventos extremos, que estão cada vez mais frequentes, não basta investir em sistemas meteorológicos, como o novo radar que será instalado em Montenegro ainda neste ano. É preciso uma política ambiental que considere o contexto climático. E o que está acontecendo no Rio Grande do Sul nesse ponto? Diversas tentativas de flexibilizar a legislação ambiental. A última passou pela Assembleia gaúcha em março, quando aprovaram um Projeto de Lei que permite construções em Áreas de Preservação Permanente, zonas que comprovadamente contribuem para amenizar as consequências de fenômenos adversos.

Em outro tema, Porto Alegre está perdendo a oportunidade de avançar na solução do déficit habitacional. Em meio à discussão da revisão do Plano Diretor, especialistas têm criticado a política de Sebastião Melo de adensamento para o Centro e o 4º Distrito, regiões que hoje apresentam índices altos de desocupação de imóveis – mas pela lógica da atual administração deverão receber novas construções, com pouquíssimo estímulo para moradia social.

Os dois assuntos nem sempre são relacionados com as tragédias que estamos vivendo porque suas consequências não são conhecidas a curto prazo. Mas sem política pública de habitação e proteção de áreas de preservação, o crescimento desordenado das cidades coloca cada vez mais gente em risco, como parte dessas pessoas que nesta semana perderam tudo o que tinham levado pelas águas, quando não a própria vida.

Se o poder público não começar a desenhar políticas efetivas de justiça climática que envolvam proteção da sua vegetação nativa e moradia digna, jamais sairemos dessa situação. Um ciclo que começa com um alerta de uma chuva torrencial, segue com um pedido de ajuda federal por autoridades locais vestindo coletes da Defesa Civil, e termina com resgate de feridos, abrigos cheios e enterro dos mortos.

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