Juremir Machado da Silva

Guri em Roma

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Guri em Roma Foto: Companhia das Letras/Divulgação
Por dever de profissão, tendo atuado por 35 em jornalismo cultural, li os romances de Chico Buarque. Achei todos bem escritos e pouco cativantes, como uma música bem tocada, mas sem alma, resultado de muita técnica e pouca inspiração, mesmo com potência imaginativa e libido fantasiosa. Bem longe do que conseguiram, por exemplo, dois “Chicos” da literatura mundial, Michel Houellebecq e Paul Auster. Sei muito bem que sempre aceitei andar na contramão e pagar o preço dessa terrível escolha. Chico vendeu montanhas de livros e ganhou o Prêmio Camões, que condecora escritores consagrados e se premia ao premiar certo nomes. Fui acusado de inveja. Eu tenho inveja do Chico Buarque músico. Enfim, li agora, por ter recebido um exemplar de presente do meu amigo Leandro Minozzo, grande leitor de gosto refinado, “Bambino a Roma”. Achei o melhor livro de Chico Buarque. Talvez por não ter a pretensão de ser alta literatura, como os outros, alcança um grau de fluência enorme e emociona com frequência. Apresentado como ficção, mistura as memórias de Chico, que viveu em Roma com a família quando era guri, e páginas inventadas que lembram o melhor do Novo Romance, a prosa burilada de Alain Robbe-Grillet em “Os últimos dias de Corinto”, que traduzi e conheço bastante bem. É melhor ainda quando parece ser apenas um livro de memórias acrescido das fantasias que um guri poderia ter ou teve. O final, contudo, é previsível como um roteiro aprendido com um coach de literatura: o ciclo se fecha com uma volta ao começo. O leitor atento percebe a bola vindo e, se não for cego, abraça-a como um goleiro mediano. O escritor não se conteve: cedeu ao fácil “fecho de ouro”. Essa concessão às técnicas do gênero não alteram o julgamento: um belo livro, desses que agarram o leitor pelo corpo todo e exigem ser lidos em duas horas. É curtinho. No começo dá a sensação de ser um conjunto de boas crônicas. Já estaria de bom tamanho. Em literatura tudo é possível, desde que emocione. Pode-se fazer romance como uma longa crônica ou crônica em tom de romance. Nada é proibido. Chico Buarque salta de um registo a outro, da memória à autoficção, do descritivo ao lírico, do delirante ao realista. Faz rir também. Filho do sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda, Chico consegue delicadamente falar de certa estranheza paradoxal na relação com o pai, sempre tão próximo, trabalhando em casa, e tão distante, sem entrar no quarto do menino, sem ir à escola do guri, retrancado, sem frieza, no papel de intelectual e de adulto no lar Não vale a pena resumir a história do livro, que está sintetizada perfeitamente no título da obra. Chico Buarque revisita Roma, suas ruas, praças, monumentos, prédios, avenidas e busca melancolicamente o que todos queremos encontrar: um impossível perfume de infância. Como se sabe, a infância é lugar que não existe, embora seja mais concreto do que muito espaço de cimento. É um imaginário. Ao ler essas memórias romanas passadas […]

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