Juremir Machado da Silva

Eleições antecipadas: a França estilhaçada

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Eleições antecipadas: a França estilhaçada Deputado faz campanha na rua/Fotos de Ana Claudia Rodrigues

Mais do que em ritmo de Jogos Olímpicos, Paris vive atualmente sob a tensão das eleições legislativas de 30 de junho e 7 de julho. Pleito em dois turnos em sistema distrital. Não se fala de outra coisa no metrô, nos cafés, nos colóquios, nos jantares, nos parques. É verão. O sol impera. Junho é o mês mais bonito na capital francesa. Uma luz de quadro impressionista banha a cidade. Candidatos se esfalfam nas esquinas nas primeiras horas da manhã para convencer eleitores ocupados em levar os filhos para as escolas. Ao contrário do que se possa imaginar, a autonomia das crianças parece ser maior aqui. Algumas, entre sete e dez anos de idade, atravessam a Praça da Sorbonne sozinha em direção à escola na rua Victor Cousin, na frente da velha, solene e rebatizada universidade, a atual Sorbonne Cité.

Quando fiz doutorado com Michel Maffesoli era Universidade Paris V, René Descartes, Sorbonne. Depois virou Paris Descartes. A internacionalização é o ponto principal. Fusão entre duas gigantes, a Paris V e a Paris VII. Na esquina das ruas Soufflot e Cousin, com o monumental Panteão ao fundo, onde estão enterrados os gigantes da França, o deputado Gilles Le Gendre fazia campanha. Pedi-lhe um santinho e alguma informações. Deputado do distrito, no segundo distrito, Quartier Latin, Le Gendre faz parte do Grupo Maioria Presidencial, macronista, membro do Partido Renascimento. Empresário, vestido no melhor formato francês do político, nascido em 1958, ele crê na vitória dos centristas. Panfletear é duro. Alguns recusam o material, outros dizem que votarão na esquerda ou na extrema direita. O voto não é obrigatório. Pode-se votar por procuração. Diminuir a taxa de abstenção pode decidir o pleito. A França está preocupada.

– Estou trabalhando, senhor, diz Le Gendre, esfalfado.

O mote de campanha de Le Gendre é cristalino: os eleitores escolherão entre “prosseguir com as mudanças capazes de trazer soluções para o século XXI ou deixar a crise política tomar conta da França”. A isso ele chama de “escolha crucial”. Mas ele sabe que os franceses estão descrentes da política e que, apesar de a economia não estar mal – estar bem, segundo ele –, as expectativas são mais amplas. Para um campo o problema é a imigração. Para outro, o esgotamento da socialdemocracia. A plataforma de Le Gendre inclui seis pontos: segurança para todos e amparo aos vulneráveis; aceleração da economia e melhoria dos salários; “inventar uma sociedade do saber e da cidadania; dar esperança aos jovens; lutar com políticas públicas contra as mudanças climáticas”. Há sete anos ele segue a sua fé.

O olhar dos especialistas

Se um eleitor apressado diz que Le Gendre oferece o paraíso, mas não o entrega, sociólogos examinam o atual problema da França com lupa. Bernard Valade, professor aposentado da Sorbonne, diz que duas palavras regem o imaginário dos franceses no momento: medo e decepção. Para ele, um alimenta o outro produzindo o crescimento da extrema direita comandada pelo jovem Jordan Bardella. Michel Maffesoli, professor emérito da Sorbonne, vê o macronismo como um modelo esgotado. Dominique Wolton, diretor da revista Hermès e pesquisador no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), acredita que a esquerda não tem sabido se renovar e está pagando caro por isso.

A esquerda, entretanto, conseguiu se reunir numa Frente Popular, juntando moderados e radicais, algo como uma aliança do PT, do PSOL, do PSTU e outros. O líder da França insubmissa, de extrema esquerda, Jea-Luc Mélenchon já se vê no posto de primeiro-ministro, no sistema que os franceses chamam de coabitação, presidente de um campo, primeiro-ministro de outro. Isso já aconteceu três vezes de 1958 para cá. Por exemplo, entre François Miterrand e Jacques Chirac. A perspectiva de ter Mélenchon no comando do governo assusta tanto uma parte da sociedade quanto a possibilidade de que seja Bardella – a crer nas pesquisas de opinião – assusta a outra. Edgar Morin, quase aos 103 anos de idade, vai votar em nome da defesa da democracia.

– É hora de defender os valores mais importantes da sociedade – diz.

De que tem medo a França? Para Valade, do futuro, da perda de qualidade de vida e, na cabeça de muitos, da concorrência com estrangeiros. Com o que ela mais se decepciona? Com a incapacidade dos políticos para resolver problemas que se eternizam. Mais do que isso, com o fato de que centro, esquerda e direita moderada acabam por se parecer bastante quando governam. Faz algum tempo que a França flerta com os extremos: Marina Le Pen, e agora Bardella, versus Mélenchon. Wolton votará na esquerda, mas tenta não exagerar o perigo da extrema direita. Segundo ele, se a extrema direita ganhar, será como na Itália: um governo conservador limitado pela democracia em suas ações.

– Vai ser duro suportar, mas novas eleições virão. É a democracia.

O nome de Jair Bolsonaro surge frequentemente na boca dos mais informados. Parte da França teme a chega ao poder de um Bolsonaro jovem, mas ainda mais radical. O que está em jogo? O futuro do Estado de Bem-Estar Social, essa fórmula socialdemocrata que mescla iniciativa privada e Estado robusto na condução da vida de todos. O programa da Frente Popular de Esquerda promete voltar aos bons tempos da socialdemocracia pujante. Os críticos, do centro para a extrema direita, garantem que seria uma catástrofe econômica e social.

Macron perdeu a sua aposta ao dissolver a Assembleia? Para a maioria dos analistas, o macronismo acabou, essa ideia de levar tudo com jeitinho, governando para os ricos, mas falando macio com os pobres. O presidente é obrigado a nomear primeiro-ministro o líder do partido mais votado nas eleições? Não. Mas é um costume sempre respeitado. Macron poderá jogar a carta do primeiro-ministro técnico.

Não vai colar, dizem os seus críticos mais severos.

Na rua, candidatos como Le Gendre acreditam:

– Estamos trabalhando…

Faz bem, de vez em quando, murmura um passante.

Com Edgar Morin, quase aos 103 anos, e Michel Maffesoli
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