Juremir Machado da Silva

Uma França para chamar de minha

Change Size Text
Uma França para chamar de minha Paris no cotidiano | Foto: Ana Cláudia Rodrigues

Dizer “minha França” tem algo de inadequado. Alguém poderá alegar quem é esse para achar que tem uma França só para ele? A verdade, se verdade há, é que ao longo de 33 anos tenho mantido com a França um caso. Minha primeira vez com a França foi em março de 1991. Eu era bolsista do Instituto Goethe em Berlim. Aproveitei para o conhecer o país onde iria morar a partir de setembro daquele mesmo ano, como doutorando em sociologia, na Sorbonne, sob orientação de Michel Maffesoli, com bolsa do CNPq. Foram quatro anos de relação intensa, viagens, cursos, entrevistas, um mergulho num mundo fascinante. De 1993 a 1995 fui correspondente da Zero Hora em Paris. As viagens multiplicaram-se. A relação ganhou um plus. Ia dizer um up-grade, mas me corrigi a tempo. Andei por toda parte feliz.

Hoje, a partir das 19 horas, na Casa da Memória Unimed Federação/RS (Santa Terezinha, 263) vou lançar meu Dicionário da Memória Afetiva: Minha França (Sulina). Os dicionários amorosos estão na moda na França. O meu nasceu de uma sugestão de um grande amigo francês, Gilles Lipovetsky, durante uma conversa na churrascaria Barranco. Pois o lançamento desta noite terá uma mesa muito especial: meus amigos e parceiros Nilson May e Alcides Stumpf, médicos e escritores, pessoas da maior sensibilidade possível para a cultura, e dois franceses por quem tenho grande admiração, Philippe Joron, professor na Universidade de Montpellier, e Gilles Lipovetsky, filósofo e autor de livros de repercussão mundial, como O Império do efêmero e, recentemente, O triunfo da autenticidade. Não consigo me impedir de vibrar: que bela mesa para um lançamento de livro!

Todo mundo está convidado. Vamos bater um papo sobre a França e sobre viagens. Depois, dedicarei livros a quem se interessar. É estranho falar em “Minha França” num dia em que a pátria do iluminismo rumina feridas de uma eleição legislativa “pas comme les autres”, para usar uma expressão francesa: nada, nada, como as outras, pela ascensão de um campo político normalmente contido pelos demais em nome da democracia. Estive na França na última semana. Paris em junho é simplesmente linda: temperatura e luminosidade ideais. À espera dos Jogos Olímpicos, a cidade vivia a tensão eleitoral. Em mais de três décadas, morei quase seis anos em Paris. Quando não estava morando lá, visitava a França em torno de duas vezes por ano. Posso dizer que estabeleci um vínculo com o lugar, especialmente com Paris e Montpellier. Tudo fruto de relações acadêmicas, jornalísticas e literárias. Quando desço em Paris admito que me sinto chegando em casa.

Aprendi algo conhecido sobre franceses: parecem inacessíveis na primeira abordagem. Feita a amizade, a relação ganha a solidez de uma vida. Sou um admirador total da língua, da cultura, da gastronomia, da literatura, do cinema e da história dos franceses. Enfim, eu tenho uma França só para mim, aquela que cresceu no meu coração em três décadas.

Tambor tribal (Livraria do Amor)

Assisti, no domingo, na sala Olga Reverbel do Multipalco São Pedro, à leitura dramática da peça A livraria do amor, escrita por Gilberto Schwartsmann, com interpretações de Zé Adão Barbosa e Arlete Cunha. Show! Gilberto criou uma marca forte para os seus textos: a paixão pelos livros. Cada autor ou obra citados está inserido num contexto, da relação com a literatura. No caso, Eurípides e Perséfone, o dono de uma livraria e uma leitora, apaixonados platonicamente desde os tempos de faculdade. Engraçado e crítico da sociedade pós-literária, o texto tritura o vazio do nosso tempo e faz uma defesa heroica da arte. É Gilberto Schwartsmann na veia.

Zé Adão Barbosa, Gilberto Schwartsmann e Arlete Cunha | Foto: Ana Cláudia Rodrigues

Parêntese da semana

“Parêntese #232: Marcas pela cidade”. Dos editores: “Passado quase dois meses inteiros desde o dia em que Porto Alegre começou a inundar, apresentamos o ensaio fotográfico de Leandro Selister, que registrou as marcas d’água espalhadas pela cidade. Em crônica, Maria Rosa Fontebasso também relembra as águas de maio. Gustavo Borba e Gustavo Mini indagam: quem projeta o projeto da reconstrução?”. E, claro, muito mais.

Frase do Noites

“O fascismo tem muitas faces ao longo do tempo para mostrar sempre o mesmo horror ao outro, ao diferente, ao que não é seu reflexo na cultura.”

Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ar todo sábado, 9 horas, na FM Cultura, 107,7, em parceria com a Matinal, a revista Parêntese e a Cubo Play, e apoio da Adufrgs Sindical, Nando Gross e eu entrevistamos os atores Mirna Spritzer e Sérgio Lulkin, em carta na Zona Cultura (Alberto Bins, 900) com a peça Terra sem mapa, uma reflexão sobre imigração, exílio, desterro.

Escuta essa

Quando estava chegando o Dia D, aquele em que os aliados desembarcaram tropas na Normandia, com papel preponderante dos Estados Unidos, para começar a determinar o fim do nazismo, a Rádio Londres, emissora da resistência, rodou versos de Charles Trenet inspirados na Canção de outono, de Paul Verlaine, para que fossem sabotadas as ferrovias em terras normandas que pudessem ser usadas pelos alemães. Depois das eleições deste domingo a França precisa soar novamente a resistência. Novamente é preciso que os soluços longos dos violinos de outono (ou, neste caso, do verão) embalem o coração dos franceses com uma languidez sem sono. No próximo domingo tem o segundo turno eleitoral: é fundamental acordar do torpor monótono para barrar o mesmo inimigo, o fascismo, por outras vias.

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.