Juremir Machado da Silva

Cenas da vida cotidiana de Porto Alegre

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Cenas da vida cotidiana de Porto Alegre Foto: Felipe Valduga/Wikimedia Commons
Caminho por esta cidade como se andasse pelas linhas de um poema de Mario Quintana, subindo, descendo, parando para contemplar metáforas, seguindo ao canto de uma aliteração, acariciando com meus passos leves e lentos, ruas, ruelas, travessas, passagens, avenidas, praças, parques, estradas rurais, até me sentir sem saída, como se uma rima me barrasse o caminho e exigisse um abraço e uma denominação: beco da minha paixão. Há tanto lugar que desconheço e não quero morrer sem ver. Cheguei jovem e já sou oficialmente idoso. Trago nos olhos lembranças de paisagens que não mais existem e nos cabelos grisalhos as confissões de que, como Pablo Neruda, vivi. Sim, vivi a cada outono, inverno, primavera e verão. Vivi o frio de julho e agosto, a quentura de janeiro e fevereiro, a brandura de maio, as esperanças suaves dos finais de setembro, a festa dos livros na Praça da Alfândega, em novembro, a loucura das noites de boemia, alegrias e tristezas no Beira-Rio, temporais, inclusive a terrível enchente, a inesquecível e assustadora cheia de 2024, que suplantou a de 1941, da qual ouvíamos falar por livros e conversas dos muito mais velhos. Nos últimos 44 anos tenho aprendido a cada dia que Porto Alegre é o meu lugar. Às vezes, de onde moro, enquanto um livro me cai das mãos na poltrona, como se buscasse colo, olho a linha sinuosa dos morros ao fundo, feito uma pintura de Carybé, e penso no que se espalha depois deles: de gente que luta pelo presente e pelo futuro até um mundo de tijolos que se espraia num suave balanço de histórias e topografia. No começo, eu achava que a cidade terminava nessas encostas altas que agora vejo de casa. Foi uma descoberta deslumbrante tudo que se enrodilha do outro lado dos morros. Tomado pela emoção dessas belezas do dia a dia, saio por aí, filmando com meu celular, como se buscasse alguém que se perdeu na contemplação das cenas do cotidiano da cidade e não mais voltou. Passo pela Glória, surpreendo-me com um cão solitário na Medianeira, vejo uma linda moça de azul na Cavalhada, um gremista e um colorado conversando numa esquina. Então me aprofundo em distâncias que me emocionam pelo simples fato de existirem. Há tanto nome bonito que nem consigo enumerar. Que fui fazer certo dia na Aberta dos Morros? Por que lembro daquela noite no Santo Antônio? E aquele dia de chuva na Azenha? Deixo o pensamento fluir e me vejo em 1980. Ali, onde agora é o Jardim Europa, não longe do impávido hospital Banco de Olhos, eu via, recém-chegado, vacas em pastagens bucólicas. Então, caminhava até a Estrada do Forte e tomava o T4 para alcançar outro mágico mundo, a PUCRS. Era tanta menina bonita, tanto guri cheio de sonhos, revoluções a fazer, livros a ler, professores a escutar, bares a descobrir, poemas a inventar. De repente, sou tomado por imagens do Sarandi, do Jardim Ipiranga, de Navegantes e, em seguida, num salto de sonho, Rua da Praia, […]

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