Juremir Machado da Silva

A França na decadência do centrismo

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A França na decadência do centrismo Jordan Bardella, Gabriel Attal e Manuel Bompard

Sabe-se que a opinião, quando ela não coincide com a do patrão, é o caminho mais curto para a independência jornalística total, também conhecida como demissão. Até recentemente jornais tentavam, como certos partidos de direita, parecer centristas para ganhar leitores de todos os lados com o suposto efeito de razoabilidade, moderação e sensatez. Na França, o macronismo representou esse modelo do modo mais acabado possível na política. Por que então está sendo contestado? Porque estamos na era das redes sociais. Nelas, não há editor. Cada um publica o que quiser. Para criar engajamento é necessário extremar. O debate na televisão entre os representantes dos três principais campos em disputa nas eleições legislativas francesas traduz essa realidade.

O primeiro-ministro Gabriel Attal (centrista), Jordan Bardella (extrema direita) e Manuel Bompard, representando a Nova Frente Popular, de esquerda, enfrentaram-se num quadro de decadência do centrismo. A foto do debate diz tudo: Attal espremido entre Bardella e Bompard, testa-de-ferro de Jean-Luc Mélenchon, líder da extrema esquerda, maior desafiante do centrismo no campo progressista. O centrismo costuma ser uma fachada da direita para ganhar votos dos que não conseguem ter opiniões definitivas. As redes sociais encarnam o oposto disso. Cada um diz e quer tudo. É o que prometem Bardella e Bompard. Tudo, nada menos do que isso, o resto é enrolação de classe.

Em temas como aposentadoria, imigração, educação e segurança os candidatos duelaram durante uma hora e meia. Bardella e Bompard ofereceram tudo. Attal acenou com o meio-termo. Fez triste figura. A era das redes sociais abomina o meio-termo por ver nele, não sem razão, a dissimulação do quase nada. Bardella quer aposentadoria aos 66 anos de idade para quem começar a trabalhar aos 24. Bompard quer algo parecido com o fator previdenciário de triste memória no Brasil. Aposentadoria a partir dos 60 anos com valor determinado pelos anos de contribuição. Pelo teto aos 64 anos.

E Attal? Quer o que já está aprovado: 62 anos agora, 64 depois com progressão escalonada até 2030.

O tema que mais pega é imigração: Bardella pretende fechar as portas da França. Bompard defende que a França continue a ser um país de acolhimento. Attal entende que é preciso filtrar, mantendo a porta semiaberta para estrangeiros. Na educação, Bardella sonha com a volta do chamado “princípio da autoridade”: professor manda, aluno obedece. Bompard quer uma escola igualitária, laica e conscientizadora. Attal apega-se a uma escola neutra, equilibrada e pluralista. Bardella levanta a voz para defender o ensino das disciplinas básicas: matemática, língua nacional, geografia. Bompard quer uma escola-cidadã. Attal está contente com o que tem, mas, por cortesia, admite que dá para melhorar. Na segurança, Bardella quer mais polícia e punição. Bompard, mais justiça e igualdade de tratamento. E Attal? Que todos sejam razoáveis, ponderados, bons cidadãos e cooperativos.

O centrismo, dizem muitos franceses, é uma filosofia mole. Socialismo e centrismo são duas faces da mesma falta de pegada. Esquerda e direita de terno e gravata. A extrema direita de Jordan Bardella e Marine Le Pen, assim como A França Insubmissa, de Bompard e Mélenchon, estão em sintonia com os tempos atuais: querem tudo. Filosofia do máximo. Houve um tempo em que os extremos não tinham chance eleitoral de chegar ao poder. Viviam das margens do sistema. Agora, sem a proteção dos donos da mídia, os centristas sofrem, na selva das redes sociais, a corrosão da retórica bem-comportada.

O eleitor das redes sociais quer fazer o teste da opção até então impensável. Pagar para ver governar. Bardella é favorito para chegar na frente com seu partido anti-imigração. Bompard e Mélenchon têm tudo para liderar no campo da esquerda. Macron poderá não escolher o vencedor. Será passar recibo de perdedor perdido. Que tempos!

Na desesperada tentativa de bloquear o avanço da extrema-direita, a esquerda grita o de sempre, “atenção ao fascismo”. Na busca da fórmula para evitar a supremacia da extrema esquerda, centro e direita berram: “Atenção ao comunismo e ao estatismo”. O eleitor das redes não ouve. Ele odeia a política centrista “isentona”. Só vai aprender certamente quando estiver atolado numa crise real da democracia, aquela que começa depois das eleições e das promessas de campanha. No debate surgiu um novo lanche: sanduíche de Attal. Ter Bardella como primeiro-ministro tem nome: choque.

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