Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Nômade digital

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Nômade digital Foto: Akyurt/Unsplash
O projeto Agora vai! é uma iniciativa da autora junto à Matinal Jornalismo para fomentar a produção literária descentralizada do eixo Rio-São Paulo. Numa experiência de nômade digital, a pernambucana Nathallia Protazio, recolhe do cotidiano dos extremos do nosso continente Brasil, matéria prima para a construção de crônicas que não perdoam o que temos de mais escondido e nossas alegrias de meio dia. Apoie a autora, assinando a coluna Agora vai! você recebe todo o conteúdo numa newsletter exclusiva uma semana antes de todo mundo.   Nômade digital Na era do diagnóstico o meu mal ainda não tinha CID, daí resolvi nomeá-lo Síndrome Protazio. Com traços de paranóia em uma baixa auto-estima social, a síndrome se manifesta através da eterna sensação de estar incomodando os outros. Bastante presente em pacientes que passaram por algum transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A minha situação hoje carrega um certo glamour nas línguas estrangeiras. Combina bastante com o termo inglês, homeless, pois sinto essa ausência de lar. E como não sou uma moradora de rua, estou bem à francesada. SDF, sans domicile fixe, cuja tradução direta funciona à perfeição: sem domicílio fixo. Há meses sem uma casa que seja minha, ficando nos outros, é como uma falta de endereço. Endereço fixo. E ficar sem casa fixa cansa. O cansaço é crônico e educado, uma dor no joelho, está lá sempre, mas só dói de fazer chorar e dormir com os olhos inchados uma vez por mês. No caso ontem. O resto do tempo só incomoda. Não ter uma casa cansa porque não é o tipo de situação da qual se possa pegar um fim de semana de folga. Se eu sair da casa da minha mãe em Pernambuco e ficar quatro dias na praia, eu vou estar curtindo a praia, e continuar sem casa. Se eu estiver num hotel, isso só vai fazer eu ficar mais pobre. Se estiver na casa de uma amiga, ou de um primo, eu só vou mudar a cara de quem eu sinto que estou incomodando. Não é um remédio que cura, mas alivia. Vim pra João Pessoa e a pressão diminuiu consideravelmente. Agora, depois de dez dias, meu remédio já venceu, é hora de voltar para a casa da minha mãe. A mais acolhedora de todas, que continua não sendo a minha. As semanas se alternam entre minha mãe, minha avó, sua mãe, e a casa da outra vó, do pai. Enlouquecedor, mas funciona. Tenho umas três calcinhas em cada uma e carrego uma mochila com minha escova de dentes, o livro da Mukasonga e os papéis onde ando escrevendo. Uma bagunça. A oscilação de humor alimenta a síndrome diariamente. E o cansaço também. Estou cansada da instabilidade, da reinvenção, do espírito criativo. Pois em cada lugar eu acabo sendo um nova interpretação de mim. Mas nem tudo é ruim. Na maior parte do tempo me sinto a pessoa mais rica do mundo, onde chego tenho um quarto, uma cama, um colchão, um sofá, uma toalha pra tomar banho. Ainda ontem chorei pensando […]

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