Fatores geográficos e tecnológicos também estão por trás da abstenção em Porto Alegre
Para além do desinteresse, fatores geográficos e tecnológicos também podem estar por trás do alto índice de abstenção registrado em Porto Alegre no primeiro turno destas eleições. Em uma análise, o pesquisador André Augustin, do Observatório das Metrópoles, sugeriu que fatores como a redução de moradores da capital e o próprio envelhecimento da população estão relacionados ao índice de abstenção. Porto Alegre foi, no primeiro turno de 2024, a cidade onde o maior percentual de eleitores não compareceram às urnas entre as capitais. Foram 31,51%, ou mais de 345 mil eleitores de Porto Alegre, número superior à votação obtida pelo prefeito Sebastião Melo (MDB), que liderou a primeira rodada.
Para Augustin, existe a possibilidade de mudanças de endereço após a enchente terem afetado o índice de abstenção. “Essa mudança pode ter acontecido tanto para outros municípios quanto para outros bairros, distantes da sua seção eleitoral”, pontuou. Os dados da prefeitura indicam que a enchente de 2024 pode ser considerada fator de mudança de casa. A inundação afetou diretamente 160 mil pessoas na cidade – equivalente a mais de 10% da população, estimada pelo Censo em 1.389.322 pessoas. Além disso, 34,4 mil edificações foram atingidas.
A possibilidade de viver em outra cidade, em especial mais próxima ao mar, também já era uma tendência constatada e que pode ter sido ampliada no evento climático recente. Em 2022, o IBGE aferiu que cidades do Litoral Norte haviam registrado crescimento populacional – sete dos 10 municípios gaúchos que mais aumentaram em residentes ficam na região.
Litoral vê crescimento populacional desde o início do século
As praias gaúchas, vale lembrar, são tradicionalmente locais com muitos domicílios de uso ocasional – ou seja, imóveis de veraneio ou para aluguel, que, logo, tornam-se locais fáceis para eventuais mudanças. Elas já haviam sido destino de muitos porto-alegrenses dois anos antes, por conta da pandemia de covid-19. “Em 2022 houve uma queda generalizada da abstenção na cidade em relação a 2020, mas as maiores quedas foram observadas nos bairros Bela Vista, Bom Fim, Moinhos de Vento e Farroupilha, locais em que a maioria dos moradores tem renda suficiente para ter casa na praia”, sublinhou Augustin.
A migração ao Litoral é um fenômeno observado ainda antes do coronavírus. “Desde 2000 já tinha se iniciado um processo de migração de Porto Alegre e Região Metropolitana, além de um pouco da Serra, vindo para o Litoral. E não são só idosos, como se imagina, tem pessoas em idade economicamente ativa, jovens adultos e inclusive crianças, que vêm junto com os seus pais”, atestou o geógrafo, demógrafo e professor da UFRGS Campus Litoral Norte Ricardo Dagnino, que pontua ser necessário aguardar os microdados do Censo 2022 para aferir se esse movimento ainda prossegue.
Em meio a essa tendência, Dagnino ressalta o papel da mobilidade. Ele destaca que o termo “migrante”, que administrativamente significa uma mudança de endereço, acaba por ser mais flexível hoje. “No caso do Rio Grande do Sul, a pessoa não precisa mais sair de Porto Alegre. Ela pode usar a sua casa no litoral como refúgio temporário”, ilustrou. Assim como na pandemia, esse movimento ocorreu neste ano, durante a enchente – houve pedido do próprio prefeito Sebastião Melo (MDB) para que os que pudessem saíssem de Porto Alegre. O Litoral foi o destino sugerido pelo emedebista.
Dada essa migração, explica o professor, podem haver diferentes cenários relacionados às eleições: no caso de pessoas que precisaram sair com urgência, o trauma da enchente pode afastá-las de um retorno aos seus locais de origem, que, em tese, ficam próximos às seções eleitorais. Entretanto, também há os que saem de sua cidade, mas querem manter o vínculo e por isso não trocam o endereço. “É uma forma de ter um motivo para voltar, mesmo que isso não aconteça com a frequência que se espera.”
Tecnologia como uma aliada para justificar (e não votar)
O eleitor que deixa de votar por estar em outra cidade pode justificar por meio de aplicativo. Desde 2020, essa justificativa pode ser feita pelo celular, por meio do e-título. A funcionalidade, criada no contexto da pandemia, é outro fator que pode explicar a abstenção. Para Augustin e Dagnino, o mecanismo explica tanto a ascensão das abstenções quanto a redução do total de brancos e nulos. Enquanto o total de faltantes deu um salto de 2016 para 2020, o total de nulos e brancos, que vinha numa crescente, reduziu-se a partir do mesmo momento.
“Tem a questão da desmotivação com as eleições”, sugeriu Dagnino. “A pessoa que não gosta de política vota branco e nulo. Com a facilidade da justificativa, ele simplesmente se abstém.”
Nesse cenário, o caminho para os atuais dois candidatos da eleição porto-alegrense reduzirem a abstenção é mais complicado: “Precisam convencer os eleitores não apenas de que suas propostas são melhores que as do adversário, mas que são importantes o suficiente para eles saírem de casa para votar”, escreveu Augustin, que destacou em sua pesquisa o crescimento da abstenção a partir da faixa etária dos 70 anos, quando o voto passa a ser facultativo. “Inclusive aqueles que estão morando em outra cidade”, reiterou o pesquisador.
Tamanho do colégio eleitoral não acompanha população no litoral
A hipótese de Augustin, de mudança de residência, mas não de título eleitoral, encontra respaldo em dados das duas cidades que mais cresceram no Litoral Norte, Imbé e Capão da Canoa. Ambas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), viram suas populações expandirem-se em mais de 51%. Ao mesmo tempo, o número de eleitores aptos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, não acompanhou esse movimento: em Imbé, o aumento de eleitores foi de 22% e, em Capão, de apenas 12,9%.
Cidade mais populosa do Litoral Norte, Capão da Canoa teve 21.554 novos moradores registrados entre 2010 e 2022. Esse número é quase o número de eleitores aptos nesta eleição, que foi de 24.047 – neste ano, a população estimada é de pouco mais de 66 mil habitantes. Logo, menos da metade dos moradores locais podia votar para optar sobre os rumos da cidade.
Já em Xangri-Lá, o crescimento populacional e o do colégio eleitoral foram proporcionais, ainda que o número comprove que nem todos os novos residentes possam votar no município. A cidade, conforme o Censo, registrou uma elevação de 32,4% da sua população entre 2010 e 2022, quando chegou a 16.463 habitantes. Na última eleição municipal, em 2020, o município tinha 11.204 eleitores aptos. Agora, teve 14.680, um aumento de 31%.
Convém salientar que a troca de título eleitoral para Xangri-Lá foi alvo de uma campanha da Associação dos Condomínios Horizontais de Xangri-Lá, que, ao longo do primeiro semestre, fez mobilizações nesse sentido, inclusive nas redes sociais. Um dos motes da campanha foi justamente a importância da representatividade política para ter “vozes que decidam em temas cruciais da cidade”.
TRE-RS busca incentivar ida às urnas no segundo turno e promoverá evento em 2025
Os índices de abstenção no Rio Grande do Sul foram considerados preocupantes pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS). Para o segundo turno, uma das medidas imediatas foi o pedido a juízes eleitorais para que motivem os eleitores de seus locais para irem às urnas no segundo turno. “É muito importante a participação popular, porque é com voto que se afirma a nossa democracia. Quanto menor for a nossa abstenção, mais legitimidade terá o eleito”, destacou o presidente do TRE-RS, desembargador Voltaire de Lima Moraes.
No ano que vem, o TRE-RS informou que realizará um evento para debater a abstenção. Serão convidados para analisar a situação profissionais de diferentes áreas, como cientistas políticos, sociólogos, políticos e outros setores da sociedade.
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