A história de um despoema 

Grande Mário Quintana, então no fim do caminho da grande cena gaúcha e brasileira que sempre ocupou! 

Meu pai sempre assinou o Correio do Povo, no tempo que tinha tamanho de jornal de verdade. Não fui um pré-adolescente leitor do Mario Quintana, mas ele habitava nossa casa. Cresci, me tornei fumante, “suspirava para fora”, “jogava pensamentos ao vento”, eu estava salvo. 

Uma foto única, aqui não cabe modéstia, fiz dele em uma Feira do Livro dos anos 80. Preto e branco, com 70% do cigarro fumado, sem perder nada da cinza, com a mão do poeta de dorso para o chão. Sim, sim, só um grande e mágico poeta saberia debochar das leis – no caso a imperativa Lei da Gravidade. 

Nos anos 90, bem feinho, fui no hotel que ele morava, para dele fazer fotos. Demorei, não encontrava a luz correta. A fotografia não foi descoberta e depois divulgada em Paris no 19 de agosto de 1839 para dar foco na finitude – sempre odiei isso. Acabei optando por uma fotografia bem escura, colorida, com luz quente, aconchegante, rifando a idade que o poeta teria.  

“Seu Mario (me escuto falando isso até hoje), é ali na mesinha que o senhor escreve mais? Não se importa de fazer de conta para eu fotografar o seu lugar?”

Demorei, nada me agradava. Com flash sempre achei um horror, em qualquer circunstância. Quintana escrevia, lá pelas tantas perguntou: “Deu?”. Respondi que era só mais um pouco. Logo pensei: como será que ele se arranjou com essa minha demanda de chato? 

Avisei que tinha terminado e corri para olhar a folha de ofício com Bic azul em que ele rabiscava. 

“Seu Mário, um poema que o senhor não fez! Dá para mim?”

Olhou nos meus olhos, conferiu meu nome e assinou o despoema, sei lá como chamar. Nós normais temos poucos tesouros, esse é um dos meus.

Fotos: Achutti

Luiz Eduardo Achutti é fotógrafo,  antropólogo e professor do Instituto de Artes da UFRGS.

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