Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Dorameira, eu?

Change Size Text
Dorameira, eu? divulgação internet

O projeto Agora vai! é uma iniciativa da autora junto à Matinal Jornalismo para fomentar a produção literária descentralizada do eixo Rio-São Paulo. Numa experiência de nômade digital, a pernambucana Nathallia Protazio, recolhe do cotidiano dos extremos do nosso continente Brasil, matéria prima para a construção de crônicas que não perdoam o que temos de mais escondido e nossas alegrias de meio dia.

Apoie a autora, assinando a coluna Agora vai! você recebe todo o conteúdo numa newsletter exclusiva uma semana antes de todo mundo.

 


 

Dorameira, eu?

Minha vó de noventa anos quer casar com um coreano. Se você precisa de uma prova melhor que essa para assistir ao seu primeiro Dorama, você é pior do que eu!

Tenho a característica – e vou chamar assim porque não sei se é uma virtude divina ou defeito maligno – de ser resistente às novidades. Todo tipo de novidade? Não. Mas coisas relacionadas a alguma tecnologia quase sempre sou a última a aderir. E-mail, celular, Facebook, Tinder, pix, podcast. A urna eletrônica mesmo, só uso porque tenho fé. Na minha paranoia desmedida, sempre acho que a máquina está me manipulando e que um dia me vencerá.

Mas às vezes a minha resistência ao que é novo me leva ao campo artístico. Se uma banda vira modinha, pego ranço e sem nem conhecer, já não escuto. Isso acontece com filme, livro, série. Tipo de série. A primeira pessoa a me falar de Dorama foi meu primo Allison. Para você imaginar, ele tem uns vinte anos, trabalha de motoqueiro fazendo entrega e tem dois risquinhos na sobrancelha. Não é o tipo de pessoa que eu imaginaria ser fã de romance.

– Prima, vai assistir alguma coisa?

– Vou, tô procurando algo legal.

– Já visse algum Dorama?

– Xiiiiiiii, lá vem. Até tu?

– É legal, vai por mim. Assisti uns com Tia Socorro e gostei demais, tá ligado.

Para você imaginar, ela já é bisavó aos sessenta e quatro anos, tem o cabelo azul e trabalha como artesã. Não é o tipo de pessoa que eu imaginaria ser fã de romance. Comecei a ver um capítulo de “Tudo bem não ser normal”, porque a protagonista era escritora. Ah, vai que… Pensei.

A novela curta coreana tem tudo que um romance leve precisa para dar certo: mocinhos, mocinhas, vilões, núcleos cômicos, conflitos, personagens impossíveis, belos cenários e figurinos. Além do fato que, como se desenrola – geralmente – tudo em 16 capítulos e no décimo o final começa a ser esboçado, o Dorama não toma muito do seu tempo, como faziam as novelas brasileiras e mexicanas, nos torturando por meses em busca de um final feliz.

O Dorama entrega o que promete, entretenimento e descanso. Um espaço de ilusão, imaginação, um conto de fadas. Não usa o artifício hollywoodiano barato de enredos complicadíssimos para construir um suspense sem fim, não busca grandes trilhas sonoras. Não está com os pés fincados no factual, na realidade tangível, não se propõe à crítica social. É o puro trabalho de fantasia, construção de ficção de qualidade para divertimento do consumidor.

Minha vó não quer casar de verdade. Ela ficou viúva antes dos sessenta e nunca mais quis saber de homem. Eu era criança e ela já gritava dentro de casa que sua periquita nunca mais ia ser perseguida por macho nenhum. Sua velhice tem sido muito aquém da vida agitada que ela levou durante décadas, até seus setenta e cinco, oitenta anos. Para uma mulher que viu e viveu as ruas e estradas de incontáveis cidades do Brasil, a Coreia que entra na sua sala hoje, é só mais um espaço de alívio para sua mente criativa.

 


Nathallia Protazio é pernambucana, escritora e farmacêutica. Autora de Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020) e Pela hora da morte (Jandaíra, 2022).

 

RELACIONADAS
  • Agora Vai
  • Agora Vai
    Agora Vai
  • Agora Vai
    Agora Vai
  • Agora Vai
    Agora Vai
;

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.