Editorial | Revista Parêntese

Parêntese #244: Debate esvaziado 

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Parêntese #244: Debate esvaziado  Foto: Divulgação

Deu na imprensa esta semana que uma construtora anuncia um edifício de R$ 3 bilhões, com 500 metros de altura e 228 unidades. Precisa dizer onde vai se localizar esse monstro? Em Camboriú, naturalmente. 

Talvez seja esse o ideal daquela empresa ativa aqui em Porto Alegre que queria fazer outro monstrengo, com menos altura mas igual poder de infestação da paisagem, em plena Duque. Faria sombra para a catedral e o palácio do governo estadual a partir de umas 15h, dizem. 

O que quer uma gente assim? Só ganhar dinheiro não é. Porque isso já está garantido nas preliminares do processo: só tendo muita grana uma empresa se lança numa empreitada dessas. Então o que é? Que desejo se esconde, ou melhor, se estampa num projeto como esse? 

O atual prefeito achava ok o horror da Duque, que só não saiu por intervenção da sociedade civil, e estimo que veja com bons olhos essa demência de Camboriú. O que sinto, no íntimo, perplexo, é negativo: não sei o que eu posso ter em comum com esses, arrâm, empreendedores. 

Todos nós, eles e eu, respiramos e nos alimentamos, e talvez acabem aqui as similaridades. A partir dessas atividades elementares, de simples sobrevivência, nada mais nos aproxima. Talvez esteja míope. Ou talvez a empatia tenha sido sequestrada pela ganância.

Mas Camboriú é distante, e o assunto é Porto Alegre: quando da cadeirada desferida por um candidato em outro, em São Paulo – gesto lamentável, que fez vibrar muita gente dado o recipiente do golpe –, me passou pela cabeça o fato trivial de que era um debate em veículo de imprensa (a TV Cultura), debate que se inscreve numa série de outros igualmente produzidos e bancados por órgãos de imprensa, empresas cujo sentido e produzir informação profissional (Band, Uol, RedeTV e outros). 

E voltei os olhos para a nossa cidade para me dar conta, perplexo, que por aqui talvez apenas uma empresa de comunicação, a RBS, é que tenha condições de empreender tal tarefa. 

Neste momento não estou pensando na qualidade dos debates, e sim apenas no fato de que, mesmo descontadas todas as diferenças entre uma megalópole mundial como São Paulo e a metrópole provincial Porto Alegre – que, pelo menos na elite política, está cada vez mais provincial pelo nível de rendição a interesses paroquiais de lucro a qualquer custo, especialmente para a especulação imobiliária –, nossa cidade está muito mal também nesse campo. O confronto tête-à-tête, um instituto que mobilizava milhares diante das telas, virou artigo raro por aqui.

Na imprensa, resta espaço para encher com absurdos. Como o de Camboriú, como o da Duque. Os debates daqui foram esvaziados da programação. Pouco vai se ouvir dos candidatos, diante de concorrentes e eleitores, o compromisso em manter a humanidade ilesa à ganância de empresários. Empresas de televisão? Empresas de provimento de internet? Jornais? Revistas? Faltou coragem dos ditos meios de comunicação de massa, parece. 

Os veículos jovens como o nosso – escanteados da acrobacia dos assessores para juntar todos os candidatos no mesmo estúdio – adotam práticas de guerrilha: ouvimos comunidades, levantamos as pautas da população e mostramos os absurdos dos empresários sem empatia, como o bairro da zona sul que perdeu 315 árvores para construção de condomínio de luxo. Jornalismo puro. Insumo básico para um bom debate de ideias.

Se o debate esvaziou, precisamos reanimá-lo. Só a conversa franca nos salva da ignorância.

 

Luís Augusto Fischer e Filipe Speck 

 


Nesta edição 

Para embalar o sábado em clima de feriadão, trazemos um ensaio de Jandiro Koch sobre o artista Mello da Costa e uma crônica de José Mário Neves justamente sobre crônicas. Juremir Machado da Silva, marca o 20 de setembro, com um trecho de seu livro História regional da infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras. Lucy Linhares da Fontoura homenageia Raul Pont, que acaba de comemorar 80 anos. 

Na seção sobre os 200 anos da imigração germânica no Brasil, José Felipe Ledur compartilha memórias da sua família. E na biografia musical de Porto Alegre, Arthur de Faria desvela mais um capítulo sobre a história de Hermes Aquino. 

Para fechar temos ainda, resenha de Helena Terra sobre o livro Desnudas, de Cris Vazques, e uma entrevista de Luís Augusto Fischer com o pesquisador e professor de sociologia Luciano Fedozzi, por ocasião do lançamento do seu livro sobre o Orçamento Participativo de Porto Alegre. Fedozzi será o próximo convidado da Sabatina Parêntese, que acontece no dia 28/09, já anotem na agenda. 

Até a próxima!

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