Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

Cadeirada na Praça da Paz

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Cadeirada na Praça da Paz Reprodução YouTube

O projeto Agora vai! é uma iniciativa da autora junto à Matinal Jornalismo para fomentar a produção literária descentralizada do eixo Rio-São Paulo. Numa experiência de nômade digital, a pernambucana Nathallia Protazio, recolhe do cotidiano dos extremos do nosso continente Brasil, matéria prima para a construção de crônicas que não perdoam o que temos de mais escondido e nossas alegrias de meio dia.

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Cadeirada na Praça da Paz

A Praça da Paz é um lugar tranquilo. No coração do Bairro dos Bancários, na capital paraibana, oferece um pouquinho de tudo. Uma calçada larga para ponto de ônibus, pista de corrida e caminhada, um parquinho para as crianças e um para os idosos, árvores centenárias, uma fileira de bares e o mistério de mudar de relevo e geografia a depender por qual acesso você chega.

Digo isso porque demorei muitos meses para mapear a Redenção, o Ibirapuera, a Floresta que ocupa metade do Rio de Janeiro, por exemplo, ainda não consegui. Esses recônditos de verde dentro das cidades carregam o poder de me perder toda vez que chego por um lado diferente. Não sei se fazemos a brincadeira de comum acordo, mas para mim faz parte da magia.

Na primeira vez atravessei a avenida fora da faixa e dei na altura do ponto de ônibus. Convidadas pelo Michael Jackson que cantava ao vivo pelo youtube, ficamos, Samira e eu, no bar do Flávio. A boemia é uma religião de fiéis. Os senhores ali presentes, todos da espécie masculina, nos receberam com o respeito do silêncio. Depois o respeito da aprovação ocular. Ao embarcarmos na nossa quinta garrafa, veio o respeito pela identificação.

Em algumas horas minha carteirinha foi carimbada e a Brahma a nove reais a garrafa era um preço justo a ser pago por encontrar um pedaço de lar. Voltei mais umas três vezes no Flávio, até o dia que resolvi tomar uma antes do almoço, pois é muito bom, pra ficar pensando melhor. E ao chegar me dirigi ao único bar aberto, o da ponta, perto da esquina do Sebo Cultural. O bar do Geraldo.

Assim como percebi que o bar do Flávio é o ponto de jogatina da praça: dominó, cartas, raspadinha, jogo do bicho, o bar do Geraldo é onde se encontram os boêmios mais puros. Um bar em homenagem a uma boa cerveja gelada e um petisco de qualidade. Dez reais a garrafa e quatorze o litro de Brahma. Arrisquei o litrão, que ainda não tinha visto por estas bandas. Gelada. Mais que no Flávio. A alegria que uma mulher sente ao perguntarem, um copo ou dois? um, e a pessoa do outro lado não esboçar nenhuma reação.

Ao ver o cardápio, que no Geraldo tem cardápio e tudo, percebi, tinha batido na trave, agora sim eu estava em casa. Comi o picado de bode a nove reais e uma porta do paraíso se abriu ali mesmo, no meio de uma praça com nome de desejo mundial. Tudo ia muito tranquilo até a última quarta-feira.

Sentei na mesa da frente da tevê do youtube, porque apesar de menos gelada a cerveja, eu me vendo fácil por onde tem música e cumprimentava os de sempre com um aceno de cabeça – que mulher sozinha num bar é sempre uma mulher sozinha num bar, não pode dar muita confiança. O burburinho era geral sobre a qualidade do brega de hoje e o de antigamente. Aquele tipo de discussão que se alimenta pelo próprio prazer da dialética. O youtube funcionando a todo vapor: Reginaldo Rossi, Diana, Genival Santos, Rosana, Altemar Dutra, Odair José, Frankito Lopes, o índio apaixonado.

O recifense na mesa ao meu lado, mais pra lá que pra cá, repetia a todo momento: Democracia, aqui cabe todo mundo, democracia, não podemos esquecer. O tom indo e vindo, as emoções afloradas pelas melodias antigas e lá na ponta da esquerda, para quem como eu, estava sentado de costas pra rua, o calor cresceu. Um dedo na cara e o cidadão me solta: Tu não é homem pra isso!

A estranha sensação de déjà vu. Só foi o tempo de todo mundo fazer menção de se levantar e respirar fundo. O outro cidadão não sei de onde, tira uma cadeira do inferno e joga na cara do outro. A situação ficou séria, mas nem tanto, porque o cidadão comum faz menos cena e se recupera logo, não fica bancando o machucado em campo só por causa de uma cadeirada ou um carrinho, feito político e jogador de futebol. O barro que faz o cidadão comum não é tão argiloso. Se resolveu tudo quando o recifense gritou, Bota um forró pra esse camarada, chega de brega.


Nathallia Protazio é pernambucana, escritora e farmacêutica. Autora de Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020) e Pela hora da morte (Jandaíra, 2022).

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