Crônica

Pequenos detalhes

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Pequenos detalhes Foto: NOAA's National Ocean Service

Não fosse por pequenos detalhes não estaríamos aqui sobre o Planeta Terra. Devemos isto às bactérias, organismos de 3 a 5 milimícrons de diâmetro.

Há cerca de três bilhões de anos atrás, mares rasos cobriam grande parte da superfície do planeta. O céu era azul acinzentado, encoberto por uma névoa, devido à grande quantidade de vapor d’água que ainda vinha das entranhas da Terra. Não havia oxigênio livre na atmosfera. Os ventos solares e a radiação castigavam o jovem planeta de atmosfera rarefeita. No fundo dos mares dominavam as fumarolas – colunas escuras e quentes de vapor d’água e metais, trazendo muito ferro dissolvido do interior da crosta e fazendo com que águas oceânicas ficassem turvas e esverdeadas: uma sopa de íons. Muitos vulcões em atividade provocavam tempestades e raios. Meteoritos bombardeavam uma Terra sem vida.

Cometas passaram trazendo em suas caudas os aminoácidos essenciais à vida: semearam a Terra. Não se sabe como destes aminoácidos vieram a se tornar as primeiras bactérias. Faíscas elétricas teriam catalisado as reações? Trata-se de uma boa hipótese. O fato é que, por volta de 2,7 bilhões de anos, floresceram bactérias anaeróbicas (organismos capazes de viver sem a presença de oxigênio), que passaram a produzir oxigênio nesta sopa primordial dos oceanos, a partir da fotossíntese dos carboidratos, do dióxido de carbono e da água. Este oxigênio fez com que o ferro dissolvido precipitasse em finas camadas no fundo dos mares. Com alimento abundante – o ferro -, as bactérias anaeróbicas aumentaram em quantidade exponencial, terminando por precipitar todo o ferro disponível, o que tornou límpidas as aguas oceânicas. Depois de oxidar as águas, o oxigênio produzido passou à atmosfera, mudando para sempre a sua composição e tornando possível a vida na Terra. Em contrapartida, as bactérias tornaram o ambiente inóspito para a sua própria espécie e foram extintas. 

Iniciou aqui a saga da vida: uma espécie se desenvolveu, espalhou-se e foi extinta por utilizar todos os recursos naturais disponíveis. Soa semelhante a algo conhecido?

O metal precipitado forma hoje as grandes jazidas de ferro do Planeta, sendo encontradas no Brasil, Austrália, Índia e África do Sul. Remanescentes destas bactérias estão nas rochas e podem ser vistas ao microscópio. As primeiras plantas saíram dos mares e colonizaram a terra, por volta de 470 milhões de anos atrás, mudaram as formas da superfície e permitiram que os animais também experimentassem este novo habitat. Depois de muitas tentativas, erros e sucessões de acasos, a vida cresceu e se diversificou nos mares e em terra firme. 

Por cinco vezes a vida na Terra esteve próxima de desaparecer. no período entre 445 e 65 milhões de anos: as chamadas grandes extinções – todas naturais. Glaciações generalizadas, quedas de asteroides e/ou erupções vulcânicas maciças eliminaram, de cada vez, entre 30 e 60% da vida na Terra. As espécies sobreviventes recompuseram o Planeta há 445, 360, 250, 200 e 65 milhões de anos.

De todos estes eventos, o mais conhecido ocorreu há 65 milhões de anos, provocado pela queda de um meteorito e/ou uma erupção vulcânica. A extinção de 50% da vida na Terra e de todos os dinossauros abriu espaço para o desenvolvimento dos mamíferos e da espécie humana. Ganhamos este prêmio muito tempo depois.

A Natureza seguiu em suas experiências, usando o método de tentativa e erro. Os erros conduziam à morte e à extinção da espécie. Os acertos levavam à recompensa de transmitir o DNA para gerações futuras.  

Há três milhões de anos do tempo presente apareceu uma estranha família de animais nas savanas da África. Os hominídeos desceram das árvores e se tornaram bípedes. Logo se espalham por todo o planeta. Isto levou-os a formar espécies diferentes, como por exemplo, os Denisovanos, melhor adaptados ao frio; os Neanderthal, que foram da África para a Europa; os minúsculos Florenses, na Indonésia; e o Homo Sapiens, único a ganhar a corrida, permanecendo na Terra enquanto todos os outros foram extintos.

Nestes 200 mil anos de existência, o Homo Sapiens desenvolveu a linguagem, passou a utilizar ferramentas e evoluiu de maneira extraordinária, aprendendo a usar, em seu favor, a ciência, a tecnologia e os recursos naturais do Planeta. Em contrapartida, seu consumo desenfreado e a falta de consciência ambiental aumentaram a produção de gases de efeito estufa, fazendo crescer a temperatura da Terra e modificar completamente o clima ameno que permitiu ao Homo Sapiens chegar aos 8 bilhões de indivíduos que atualmente habitam o terceiro planeta a partir do sol. 

Nossa espécie está fazendo o mesmo que fizeram nossas bactérias anaeróbicas ancestrais.

A produção de gases de efeito estufa, o uso desenfreado de agrotóxicos, o garimpo, a quantidade imensa de lixo e tantos outros fatores estão destruindo o planeta. A cereja do bolo parece ser o envenenamento do ar provocado pelas queimadas na Amazônia, cujo material particulado que nos sufoca tem a mesma ordem de tamanho das bactérias que permitiram a vida na terra: 2,5 milimícrons. 

Seremos capazes de reverter o processo de extinção?

Se não revertermos seremos extintos e tornaremos a Terra inóspita, tal como era há três bilhões de anos.

 


Para mais informações:

Faure G. Principles and Applications of Geochemistry. New Jersey, Prentice Hall, 600 p. 1998.
Gill R. Chemical fundamentals of Geology. London, & Hall, 289 p. 1996.
Lindenmayer, Z.G.; Laux, J.H.Teixeira, J.B G. Considerações sobre a origem das formações ferríferas da Formação Carajás, Serra dos Carajás. Revista Brasileira de Geociências, Brasília, DF, v. 31, n.1, p. 21-28, 2001.

 


Zara Gerhardt é geóloga, contadora de causos, e frequentadora cativa da Oficina de Textos do Prof. Luiz Augusto Fischer, publicou dois livros: “Causos do Brasil Profundo” (Class), em 2019 e “Mais causos do Brasil profundo”, em 2022 (Class). Este último foi indicado para o prêmio AGES – Associação Gaúcha de Escritores, 2023, na categoria crônicas.

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