Porto Alegre: uma biografia musical

Capítulo CXVIII: Hermes Aquino – 1 

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Capítulo CXVIII: Hermes Aquino – 1  O GR-Show

Antes de tudo, ainda em Rio Grande – onde nasceu, dia 21 de maio de 1949 -, o guri cantava em programas infantis, levado por seu irmão mais velho, Holmes Aquino, homem de rádio que fará nome no veículo.

Quando a família se muda para Porto Alegre, Hermes faz amizade com um vizinho, pré-adolescente como ele, chamado Carlinhos Hartlieb. Juntos começam a tocar, do jeito que dava, as novidades da Bossa Nova.

E aí a gente chega em 1964.

Já adolescente, 15 anos. 

Com novos amigos como o ainda mais jovem Cláudio Vera Cruz, Hermes faz o que muitos jovens porto-alegrenses da idade dele em meados dos anos 1960 estavam fazendo: monta uma banda de rock.

Só que essa banda, batizada com o singelo nome de Os Satânicos, era muito diferente.

Ao contrário de todas as outras, eles – uau! – COMPUNHAM AS SUAS PRÓPRIAS MÚSICAS!

Sim. Ao que tudo indica, ele foi o primeiro compositor do rock gaúcho – ou primeiro compositor de rock no Rio Grande do Sul, como você preferir (a gente não vai entrar nessa discussão agora).

Só que aí eles tavam lá, bem satisfeitos em fazer suas canções, quando entra 1965 e aquela banda inglesa que vinha fazendo sucesso crescente pelo mundo explode no Brasil.

Sim, os Beatles.

Aí fodeu.

Largaram todas suas outras ambições e focaram em tirar, igualzinho, tudo que conseguissem do repertório dos Beatles. Entram 1966 rebatizados como Som 4, rapidamente galgando o posto de melhor banda beatle da cidade, solicitadíssimos em bailes e festas em geral pelos dois anos seguintes. 

Em 1968, nosso já velho conhecido Glênio Reis, então popularíssimo na TV local, resolve montar uma banda fixa para tocar em seu programa, o GR-Show. Inspirada na vencedora formação do RC-7, que acompanhava Roberto Carlos, o Som 4 ganha então o reforço de um naipe de sopros e passa tocar todos os sábados à tarde no programa – além dos bailes animados (animadíssimos, registre-se) por Glênio. 

Se chamam agora GR-Show e mandam ver muito Beatles, claro. Mas também outros sucessos internacionais de soul, pop e rock, além dos hits da Jovem Guarda. 

Enquanto seus colegas de banda estavam bem felizes em ser mundialmente famosos na Grande Porto Alegre, Hermes só pensava nas cartas que recebia do amigo Carlinhos Hartlieb, que estava morando em São Paulo e se dando bem por lá. 

Aí, em vez de gastar os cachês, ia juntando tudo pensando no próximo passo.

Dia 22 de fevereiro de 1969, a (boa) grana por um baile de réveillon animado pelo GR-Show em Erechim foi a última que recebeu no Rio Grande do Sul.

Pediu as contas, comprou uma passagem de ônibus e se mandou pra encontrar Carlinhos.

 * * *

Logo os dois – acrescidos de Laís Marques, prima de Hermes, cantora e compositora da pesada – estariam enturmados com o pessoal que fermentava a Tropicália. Gente como o maestro Júlio Medaglia, o poeta Augusto de Campos – na casa de quem o trio frequentemente filava a janta – ou Tom Zé. Estamos em 1969.

Eles passam a participar do programa Feira Permanente da Música Popular, na TV Tupi, produzido por Fernando Faro. Hermes ainda está no elenco do espetáculo ultra de vanguarda Plug, com uma turminha da pesada: Medaglia, Décio Pignatari, Damiano Cozzela, Rogério Duprat e Solano Ribeiro.

E aí a gente passa a bola pro Juarez Fonseca. Que conta o seguinte, num texto seu sobre os anos 1960 na música de Porto Alegre:

Estimulados por Augusto de Campos e por Tom Zé, (…) Laís e Hermes haviam se inscrito na chamada fase paulista do FIC – Festival Internacional da Canção, da Rede Globo –, que selecionaria seis músicas para o festival no Rio. Com a tropicalista Flash, interpretada por ele, Laís e Os Cleans, Hermes vence a eliminatória de São Paulo, realizada em 30 de julho, no teatro do TUCA – a música ainda daria ao maestro paulista Julio Medaglia o troféu de melhor arranjo. 

Laís fica em terceiro, com a igualmente tropicalista Sala de Espera, interpretada por ela, Hermes e Os Cleans.

A canção de Laís a tinha sido composta em parceria com ele. 

E, pra se ter uma ideia do que significou essa classificação, saiba que quem ficou em segundo lugar (portanto entre as canções de Hermes e Laís) foram Os Mutantes, com Ando Meio Desligado. E em quarto, veio Charles Anjo 45, de Jorge Ben. 

 

Laís, Hermes, The Cleans

 

De volta ao texto de Juarez:

A imprensa se surpreendeu com o fato de não ter havido vaias, manifestações normais nos festivais de 68 e 69, e abriu espaço para os primos gaúchos, ambos com 20 anos.
A revista Veja de 6 de agosto dedicou uma página aos dois, com o título “Hermes e Laís: agora o tropicalismo vem dos pampas”, considerando-os herdeiros de Caetano.

 “Laís e Hermes estavam preparados para receber vaias e ficaram surpresos quando acabaram sendo aplaudidos, enquanto parte da plateia gritava o nome de Caetano Veloso”, registrou a revista.
Também o Jornal da Tarde, registrando a surpresa com os “dois gaúchos desconhecidos”, fez longa entrevista com eles. Contando suas histórias, eles se manifestaram com fluência de paulistanos sobre o sucesso repentino. 

Hermes:
“Isso assusta muito, todos acham que temos que dar uma garantia do que vamos fazer daqui pra frente. Querem que provemos que de fato somos bons. Criam uma expectativa absurda”. 

Laís:
“A máquina já nos apanhou. As engrenagens andam bem mais depressa do que esperávamos. Ontem éramos desconhecidos, hoje estamos sendo convidados para programas de televisão, chamados a dar entrevistas, parados na rua para dar autógrafos”.
Confiantes, eles passaram em Porto Alegre a primeira semana de setembro para “descansar”, sendo tratados como estrelas. No dia 13, Zero Hora noticia que “seguiram ontem pelo Caravelle das 12 horas, para São Paulo”, onde dariam início à gravação de um LP para a RGE.
Seria um disco com 14 músicas, cada um responsável por uma face. Hermes contou que um compacto com Flash e Longe de Você Eu Tenho Medo seria lançado antes de sua apresentação no Rio, para embalar a música.

O compacto foi lançado, mas com as músicas de Hermes e Laís, cada uma de um lado. Detalhe: quem tinha apresentado Hermes para o pessoal da gravadora e convencido o pessoal a contratá-lo tinha sido Tom Zé. 

Dois meses depois, a final do FIC, agora no Rio: Laís e Hermes concorrem por São Paulo, Carlinhos e o Liverpool pelo Rio Grande do Sul – com Por Favor, Sucesso, música de Carlinhos.

Só ouvindo pra ter noção do poder da coisa ao vivo, em pura performance tropicalista, incendiados pelas guitarras fuzz d’Os Cleans

Mas agora era o Rio de Janeiro.

… e tomam aquela vaia. 

Juarez:

A coisa não andava fácil. Com Caetano, Gil e Vandré exilados, Chico tendo também ido embora para não acabar preso, as gravadoras e rádios estavam meio em compasso de espera, só investiam em músicas de sucesso certo (isto é, de artistas famosos) ou que não corressem risco de problemas com a Censura.
Além disso, o FIC pra valer era outro departamento. Presidente do júri, o popularíssimo Wilson Simonal ditava a grande onda musical carioca do momento, a “pilantragem”.
Os quatro gaúchos foram eliminados, enquanto os Mutantes, Jorge Ben e Martinho seguiam para a final. Mais: Flash (vaiada no Rio) e Sala de Espera não fariam nem cócegas no rádio, ao contrário de Charles Anjo 45 e Ando Meio Desligado. A gravação do LP de Hermes e Laís também não se realizou. 

Para que se tenha uma ideia, quem ganhou o Festival foi a tão melodiosa quanto careta Cantiga por Luciana. Dois anos depois da explosão tropicalista, o clima – ao menos no festival da Globo – não estava para experimentalismos. 

E aí teremos dois Hermes em 1970.

Um deles participa ativamente do LP do Liverpool (gravado em 1969), e é super-Tropicalista. No disco, disputado a tapa por colecionadores do mundo todo e relançado em vinil e CD na Alemanha e no Japão, há duas canções de Hermes e Carlinhos: Água Branca – cheia de surpresas harmônicas, melódicas e rítmicas – e Cabelos Varridos

Ele, sozinho, comparece com mais três: a pop Blue Hawaii, Voando – uma festa psicodélica (relançada na virada do milênio na coletânea inglesa Love, Peace & Poetry – Brazilian Psychodelic Music) – e a já citada pérola perdida do pop-rock nacional Você Gosta?, aquele escrita com Tom Zé.

Já o outro Hermes é o que o pessoal da RGE propôs como opção de seguir contratado, mudando o seu foco para o de baladeiro romântico meio Roberto Carlos, meio Odair José. Ele meteu a viola tropicalista no saco e não se fez de rogado. Escreveu e gravou duas canções nesse clima e… nada. 

e

 

Em 1971, volta pra Porto Alegre. 

Já tinha vivido um tanto nesses 22 anos.

Com a bola meio murcha, jamais imaginaria que, na década que se iniciava, iria se tornar fenômeno de Marajó ao Pinhal.

 


Arthur de Faria é pianista, compositor e arranjador. Doutor em Literatura Brasileira pela UFRGS, na área de canção popular. Produziu 28 discos, dirigiu 12 espetáculos. Escreveu 52 trilhas para cinema e teatro em Porto Alegre, São Paulo e Buenos Aires. Lidera a Tum Toin Foin Banda de Câmara e teve peças interpretadas por orquestras e solistas de várias cidades brasileiras. Tocou em meia dúzia de Países e 19 estados brasileiros. Lançou 20 álbuns e EPs e três livros sobre a música de Porto Alegre, dois deles você leu primeiro aqui na Parêntese, em capítulos.

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