Entrevista

Vida e obra de Felippe d’Oliveira

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Vida e obra de Felippe d’Oliveira Foto: Divulgação Editora UFSM

Luís Augusto Fischer conversa com Lucas Zamberlan, professor de Literatura da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a propósito da publicação de dois livros, com biografia, materiais documentais e da obra de Felippe d’Oliveira, pela editora da UFSM.

 

Luís Augusto Fischer – A gente costuma pensar em poeta como o oposto do homem de ação. Mas o Felippe d’Oliveira parece ter conciliado essas duas características em si, não é? Conta um pouco desses dois lados da trajetória dele. 

Lucas Zamberlan – O Felippe D’Oliveira desempenhou diversos papéis sociais ao longo de sua vida. Muitos deles, inclusive, foram trilhados ao mesmo tempo, em uma espécie de composição biográfica que só permite ser compreendida pela convergência das partes: Felippe foi farmacêutico, empresário, publicitário, esportista e poeta. E cada uma dessas funções de alguma forma representa uma face importante da sua personalidade.

Apesar de não ter sido político, no sentido estrito do termo, a trajetória dele foi atravessada por eventos dessa natureza. O pai, que também se chamava Felippe, era pernambucano, delegado de polícia, e aqui no Rio Grande do Sul escrevia periodicamente no jornal A Província. Devido a questões partidárias, ele foi assassinado na Rua do Acampamento, a rua mais movimentada de Santa Maria. Isso aconteceu em 1890, 10 dias antes de o Felippe nascer. E evidentemente a tragédia marcou profundamente a família. Depois, já na fase adulta, ele acaba por se envolver na Revolução de 1930 e na de 1932. Essa última o levará ao exílio e ao acidente fatal quando contava apenas 42 anos.

 

LAF – Como foi teu processo de aproximação com a obra e a trajetória do poeta, por favor. Tu tinha alguma leitura prévia do material? A obra poética dele te atraía?

LZ – Aqui em Santa Maria, principalmente no âmbito da literatura, a imagem do Felippe D’Oliveira é bastante presente mesmo que ainda não da forma como poderia ser. Ele é nome de rua (aliás, em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo também), dá nome ao concurso literário e fotográfico mais destacado da região e seus poemas habitam o imaginário de muita gente. O seu texto mais famoso, Entrecruzamento de Linhas, por exemplo, descreve a imagem de um trem que “atira-se desenfreado nos trilhos livres”. E para nós que vivemos em uma cidade que já foi um centro ferroviário importante do estado, conviver com esse legado interfere em um sentimento coletivo, histórico, territorial.

Entretanto, em meados de 2018, sentimos, eu e o Prof. Pedro Brum – que estuda a literatura do Felippe há mais de 30 anos e é organizador das Obras Completas – que chegava a hora de aprofundar o tema e buscar respostas ainda não esclarecidas por completo. Qual era a natureza exata do seu papel na Revolução que alçou Getúlio Vargas ao poder? Quais eram suas filiações literárias? Como sua vida transmitia o espírito da belle époque tropical do Rio de Janeiro? Havia outras fotos de sua bella figura? E textos inéditos? Como foi, de fato, sua morte a qual foi a repercussão disso à época, afinal, logo após seu acidente, vários artistas o homenagearam. É o caso dos retratos pintados por Candido Portinari e Tarsila do Amaral e o busto esculturado por Victor Brecheret. Assim nasceu o livro, a biografia que conta todos esses detalhes e vem acompanhado de dezenas de imagens relativas ao poeta e um estudo precioso escrito pelo Pedro que reflete sobre o lugar do Felippe no(s) Modernismo(s) brasileiro(s).          

 

LAF – Que Santa Maria era a da infância dele? E que Porto Alegre ele vivenciou, quando veio para cá estudar?

LZ – Era a Santa Maria do final do século XIX e dos primeiros anos do século XX. Uma cidade que se urbanizava aos poucos, justamente no ritmo dos viajantes. Em 1885 (Felippe nasce em 1890) foi inaugurada a estação férrea e a Vila Belga, projetada pelo engenheiro Gustave Wauthier, que abrigava os trabalhadores que vinham para cá. Apesar do tempo, os marcos espaciais são os que permanecem até hoje: a própria gare, a então moderna Avenida Rio Branco, a Praça Saldanha Marinho e até o Theatro Treze de Maio, fundado pelo tio de Felippe que estava no local quando o cunhado (Felippe pai) foi baleado.

Esse tio, João Daudt Filho, ou Jango, tinha uma farmácia na Rua do Acampamento. Com o passar do tempo, mudou-se para Porto Alegre e fixou negócio na Rua dos Andradas. Nascia ali o Laboratório Daudt, depois Daudt de Oliveira, pois Felippe diplomara-se e foi auxiliar o tio na empresa. Dividindo-se entre os estudos, o trabalho e a vida noturna, o poeta passa a integrar o Grupo dos Sete (Geração de 1908) com outros nomes como Eduardo Guimaraes e Álvaro Moreyra. Eles se encontravam na Praça da Caridade, hoje Dom Feliciano. Declamavam poemas, discutiam literatura, teatro, música e sonhavam em viver em Paris, como muitos contemporâneos.

Em 1910, Felippe acompanha, mais uma vez, as aspirações do tio, levando consigo um volume de poemas de feição decadentista que viria a publicar no ano seguinte e que dizia tanto sobre seus anos a capital gaúcha: Vida Extinta.      

 

LAF – E aquele grupo de letrados aqui em Porto Alegre? Muitos foram para o Rio: por quê?

LZ – Se analisarmos o caso do Felippe, ele tinha um motivo suficientemente razoável para partir. Mas isso não explicaria, de todo, esse trânsito significativo de mão única rumo à capital federal. O poeta foi em companhia de Álvaro Moreyra e logo trataram de fundir-se à intelectualidade fluminense. Ambos passam a fazer parte do grupo da Fon! Fon! e a participar das rodas literárias. Naquele tempo, ainda antes da expansão da Livraria do Globo, o Rio de Janeiro era o caminho natural e para jovens como eles, parecia ser o único caminho possível. 

 

LAF – E o Rio de Janeiro? Fala um pouco do envolvimento dele na vida cultural e empresarial na então capital federal. Como foi que Felippe D’Oliveira se relacionou com os ventos modernizantes que sopravam por lá? Como ele recebeu o Modernismo paulista, que viria a ser hegemônico, com o tempo?

LZ – O livro Vida Extinta representa a chegada ao Rio de Janeiro. Já o Lanterna Verde, de 1926, significa a maturidade estética da sensibilidade de um escritor que soube compreender as transformações artísticas e sobretudo contextuais do seu tempo. Naqueles versos e no seu contexto de produção é possível encontrar Felippe D’Oliveira no grau máximo de sua expressão poética, profissional e pessoal. Produtos do laboratório como o xarope Bromil (o qual Olavo Bilac fazia propaganda), o regulador menstrual A Saúde da Mulher, a pomada Boro-Borácica e a pasta Odol estavam fazendo parte definitivamente do cotidiano dos brasileiros e as colunas sociais dessa década mostram fotografias de Felippe no Copacabana Palace, no Palacete Murtinho Nobre, no Clube Guanabara, que ajudou a se reerguer trazendo a primeira piscina olímpica para o Brasil. 

Em conformidade com tudo isso, o Lanterna Verde aborda o moderno com sensibilidade; em versos livres, mas de ritmo distinto; com ironia e feito de imagens desconcertantes. Talvez o que tenha o obliterado durante tanto tempo da discussão modernista tenha sido tentar construir uma visão de modernidade sem ruptura suficientemente significativa. De estar atrelado a uma tradição de cunho mais filosófico, na qual a metáfora exercia sentidos profundos ainda que indiretos. O aspecto mais positivo dessa equação é a atemporalidade dos seus versos, como em “vive a tua hora como se gravasses o teu nome na epiderme de um tronco novo. Mas não voltes mais tarde para junto dessa árvore, porque podes não reconhecer o teu nome nas cicatrizes das velhas letras”. 

 

LAF – Não demora muito, vamos estar lidando com o centenário da chamada Revolução de 30, que marcaria para sempre o destino do Brasil. Que papel teve Felippe d’Oliveira no processo? Vocês estão revelando materiais novos sobre o tema, não é?

LZ – Sim. Felippe D’Oliveira formou junto com o seu irmão João Daudt de Oliveira e o político João Neves da Fontoura, que eles chamaram de “a tríade indissolúvel”, círculo de caráter político que manteve contato frequente, via cartas, durante o período de 1928-1930. Como se sabe, a intenção principal do grupo era organizar ações que culminaram na Revolução de 1930. Além de seus três membros principais, uniram-se a eles, cumprindo diferentes papéis, nomes como Borges de Medeiros, João Pinto da Silva, Paim Filho, Fausto de Castro e Francisco Campos, além do líder Getúlio Vargas.

A história da tríade, o teor das cartas, as fotografias dos códigos de comunicação, os locais de encontro estão bem distribuídos no livro que contém um capítulo especial sobre o assunto. O material compreende ainda os detalhes feito por Felippe a Pernambuco em missão especial. Esse envolvimento contrasta com a posição do poeta em relação à Revolução Constitucionalista dois anos depois, que o leva ao exílio em Paris. Esse é um dos motivos pelos quais Felippe será muito querido em São Paulo, por exemplo.

Fotos: Divulgação Editora UFSM

 

LAF – O trabalho editorial que vocês estão colocando à disposição do leitor é de alta qualidade, em todos os sentidos. Como foi que vocês pensaram a organização? A editora da Univ. Federal de Santa Maria foi acessível ao projeto? 

LZ – A Editora da UFSM vem editando a Obra Completa do Felippe D’Oliveira desde 1990. Quando submetemos o novo livro à apreciação do conselho, ficamos na expectativa de ele ser publicado. A Editora, dirigida pelo Prof. Enéias Tavares, não só acolheu muito bem o projeto, mas também o elegeu para inaugurar o selo patrimônio e memória, o que muito nos orgulha. Assim, a organização bibliográfica ficou dividida em dois volumes: a nova edição do Obra Completa e a Biografia Crítica, este último que reúne textos inéditos, galeria de fotos entre outras novidades. Os livros são capa dura, de alta qualidade e expressam o trabalho impecável realizado pela equipe da Editora, visível em cada detalhe. Ainda é importante destacar que, concomitantemente aos livros, foi produzido um documentário em curta metragem, produzido pela TV OVO e dirigido pelo Marcos Borba, sobre o Felippe. Se chama Cartas de Felippe. Foi exibido na Feira do Livro daqui e logo terá outras exibições e deverá ser também disponibilizado ao público em breve.

De resto, lembro aqui que os livros estão à venda no site da editora da UFSM e que o lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre vai acontecer dia 8 de novembro. Fica o convite aos leitores para que confiram um pouco mais dessa figura tão interessante como foi Felippe D’Oliveira. 

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