Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai

João Pessoa

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João Pessoa Foto: Łukasz Łada/Unsplash

O projeto Agora vai! é uma iniciativa da autora junto à Matinal Jornalismo para fomentar a produção literária descentralizada do eixo Rio-São Paulo. Numa experiência de nômade digital, a pernambucana Nathallia Protazio, recolhe do cotidiano dos extremos do nosso continente Brasil, matéria prima para a construção de crônicas que não perdoam o que temos de mais escondido e nossas alegrias de meio dia.

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João Pessoa

Existem estas cidades de primeira impressão. Salvador, Rio, Belém. Já fui algumas vezes e a cada visita uma beirada daquela primeira sensação é desvelada. Se eu tiver sorte. Ou um bocadinho do mistério se adensa. E continuo, sendo alheia, visita, estrangeira.

Existem aquelas outras de reinvenções. São Paulo, Bogotá, Garanhuns. Cidades de fome, em poucos minutos seu corpo faz parte da paisagem que muda a todo instante. A cidade faz seu próprio desejo e sou a cada movimento surpreendida pelas vontades inéditas. O presságio de um lugar antigo dentro de mim.

Contudo, hoje gostaria de falar dessas que são as melindrosas, as carentes, cheias de bem-me-queres. Destes lugares que se transformam em cidade, mas antes disso, já se transmutavam a fim de alimentar sua vida lúdica, pelo simples prazer do chiste. As cidades sereias.

Conheço bem seus tipinhos de cantora de cabaré, toda trabalhada no brilho e deslumbre para enfeitiçar, assim como reconheço este cheiro de casa de vó. Conheço porque me criei nos últimos anos em uma. Porto Alegre sabe encantar enquanto te ludibria. Um cântico tão doce e avassalador, que ao menor gesto de consciência, o roubo já não é importante.

Nada mais é urgente. O resto do mundo perde seus contornos. Uma cidade assim pode ser sua salvação ao te oferecer caminho e atalho por onde se aventurar. A sina. O boto-cor-de-rosa. A lua cheia. O alvoroço. Uma estrela caída. Um copo de licor de cachaça com mel. Uma história perto do fogo. O frio do último anúncio.

João Pessoa é charmosa assim. Eu sei. Já estou mais curtida. Percebo seus tentáculos de cidade à beira mar, de calor enamorado, de vento bolinoso. Não resisto porque não quero. Ando bem nessa toada. Descarada. Jampa tem o ar da safadeza de uma adolescente. Quando eu me imaginaria reviver o susto do primeiro beijo, dos encontros do acaso, da saudade que machuca?

Estou aqui, esperando que ela demore a perceber as cicatrizes que trago nos pulsos e desvio meus olhos opacos. Por enquanto, a nossa brincadeira consiste em fingir que a outra não sabe.


Nathallia Protazio é pernambucana, escritora e farmacêutica. Autora de Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020) e Pela hora da morte (Jandaíra, 2022).

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