Ensaio

Qual o lugar dos “outros” alemães na história do Bicentenário? – Parte 2

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Qual o lugar dos “outros” alemães na história do Bicentenário? – Parte 2 Operários saindo da Fábrica Wallig em Porto Alegre - BLANCATO, Vicente S. As Forças Econômicas do Estado do Rio Grande do Sul no 1º Centenário da Independência do Brasil: 1822-1922. Porto Alegre, 1922.

O Bicentenário da Imigração Alemã é um momento em que a presença e o legado da comunidade teuto-gaúcha vem sendo divulgado e discutido, tanto por órgãos governamentais, quanto grupos acadêmicos e veículos de imprensa. Neste último quesito, me chamou a atenção uma longa reportagem publicada pela BBC Brasil (Por que tantos alemães migraram para o Brasil 200 anos atrás), que ao tratar daqueles que vieram para a capital, destaca que “Em Porto Alegre, migrantes e descendentes envolveram-se na indústria e no comércio, na educação e no jornalismo, no lazer e no esporte, na rede hospitalar e na música”. Essa lista de atividades é bastante abrangente, mas é reveladora também de uma escolha e de uma percepção sobre esta comunidade alemã, que destaca a importância dos empresários, dos intelectuais e dos profissionais liberais, mas esquece (ou silencia) sobre um outros sujeitos que viviam na mesma cidade, mas não tinham poder econômico ou político para deixar sua marca na memória.

Ao longo do século XIX, uma comunidade de falantes de língua alemã foi se estabelecendo em Porto Alegre depois da chegada dos primeiros colonos em 1824. Estas pessoas ocuparam espaços nas ruas Sete de Setembro, Voluntários da Pátria, Senhor dos Passos e Doutor Flores, dedicando-se ao comércio e ao artesanato. Estes imigrantes certamente aproveitaram da sua condição de europeus brancos em uma sociedade escravista e também de seus contatos privilegiados com as colônias para prosperar economicamente, mas existiam também indícios de pobreza e precariedade entre essas pessoas. O viajante Robert Ave-Lallement, de Lübeck, que passou por aqui em 1858, afirmava sobre a recém fundada Hilfsverein (Sociedade Beneficente), que “A esmola enche a boca do necessitado, remenda-lhe a roupa e dá-lhe novos sapatos”. Outro viajante, o suíço Jacob Von Tschudi, afirmava em 1861 que um empresário de sobrenome Knorr trouxera da Europa um grupo de prostitutas alemãs como mão-de-obra barata e como muitas não conseguiram emprego, voltaram à sua antiga profissão ou foram deixadas na miséria. Ou seja, existiam alemães e alemãs pobres, mas seus relatos (e suas memórias) são mais difíceis de captar.

A partir da segunda metade do século XIX, foi se constituindo um núcleo industrial fora da região central da cidade, com a instalação de cervejarias como a Christoffel (1864), Becker (1878), Bopp (1886) e da Fábrica de Sabonetes Voigt (1882) na Rua da Floresta (atual Cristóvão Colombo). No início do período republicano (depois de 1889) esse processo se tornou mais intenso, com a instalação de empresas como a Fábrica de Pregos Pontas de Paris (1891), a Fiação e Tecido Porto-Alegrense (1891), a Fábrica de Vidros (1891) e a Fundição Berta (1893) na Voluntários da Pátria. A partir deste duplo vetor vai se constituir o arrabalde da Floresta, cuja pujança industrial vai se expandir nas décadas seguintes pelos arrabaldes de Navegantes e São João. Parte significativa destes empreendimentos industriais era de imigrantes de língua alemã ou seus descendentes. Como havia a prática de contratar trabalhadores da mesma origem étnica, muitas destas fábricas eram movidas por operários e operárias que eram de origem germânica. Além disso, o próprio fluxo comercial entre a região colonial e a capital do estado se tornou um chamariz para a chegada de mais pessoas identificadas com este grupo. Seria incorreto dizer que os alemães viviam apenas na zona norte da capital (na verdade eles estavam por toda parte), tampouco seria verdade dizer que apenas descendentes de alemães viviam ali; mas pode-se afirmar, com certeza, que ao longo das primeiras décadas da República se constituiu nestes bairros uma numerosa comunidade teuto-operária, que morava nos cortiços, casinhas e chalés de madeira, alocados entre as ruas de chão batido e as chaminés das fábricas.

Neste ponto, voltamos à questão que enunciei logo acima: as fábricas dos grandes capitães de indústria como Antônio Jacob Renner, Alberto Bins e Frederico Mentz não funcionavam sozinhas! Tampouco funcionavam apenas por um ato de vontade de seus donos. A produção fabril era sustentada pelas mãos de milhares de operários e operárias, muitos destes de origem alemã, cujo protagonismo foi apagado da história da imigração. Também é importante ressaltar que essas pessoas não eram apenas trabalhadores quando estavam na frente das máquinas, mas que mobilizavam sua identidade e sua consciência enquanto protestavam por melhores salários ou atuavam na construção de associações, clubes, sindicatos e partidos políticos. O associativismo, inclusive, foi uma das marcas registradas dos bairros industriais de Porto Alegre e também da comunidade de trabalhadores de origem alemã que neles vivia. No próximo texto, vou tratar de uma forma específica de organização que é o movimento operário, no qual os imigrantes tiveram uma participação decisiva. 


Frederico Bartz é mestre e doutor em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e trabalha como técnico em assuntos educacionais nessa mesma universidade, onde coordena o curso de extensão Caminhos Operários em Porto Alegre.

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