120 anos da imigração judaica

A importância da memória na identidade judaica

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A importância da memória na identidade judaica Obra de Marc Chagall

Este texto é uma coletânea de informações sobre a memória, as relações na era digital, sobre a identidade judaica e, especificamente, sobre o Instituto Marc Chagall. São os conhecimentos que aprendi e os que venho coletando, acompanhados de minhas reflexões sobre eles. Não tem a pretensão de ser uma pesquisa acadêmica nem provar nada.

O texto é composto de quatro partes:

  1. Introdução
  2. Memória, relações e atitudes na era digital
  3. A identidade judaica e a memória
  4. O Instituto Marc Chagall
  5. Um pouco sobre minha identidade judaica
  1. Introdução

“A memória é, ao mesmo tempo, minha matéria-prima e minha ferramenta. Sem ela, não existe nada.”*
Gabriel García Márquez (2027-2014)
Escritor, Prêmio Nobel de Literatura
*pouco antes de morrer, ao falar aos filhos sobre sua senilidade

Minha relação com a memória

Sempre fui desligado em relação à memória, saudosismo etc. Não guardei sequer meus objetos de infância e adolescência, tenho apenas algumas fotos. Guardei os objetos e muitas fotos dos filhos, obviamente. 

Ao mesmo tempo, sempre trabalhei com inovação: computação gráfica, interatividade (desde antes da internet). Minha atuação sempre me colocou frente a desafios que miram o novo, não o passado.

“Esse é o grande problema do mundo de hoje. Parece que só existe o futuro, mas sem o passado o futuro não tem fundamentos pra ficar em pé.


A reflexão da França sobre sua história, na abertura das Olimpíadas, vai fazer um enorme bem ao mundo. Liberdade, Igualdade, Fraternidade: coisas fundamentais para que haja futuro e para isso o homem não pode esquecer da sua história, dos seus erros e dos seus acertos como uma raça que pode construir coisas belas.”
Nizan Guanaes (1958-)
Publicitário

O Chagall

O Instituto Marc Chagall (que carinhosamente chamamos de “Chagall”), onde trabalho voluntariamente há quase cinco anos, preserva e divulga a história, a memória e a cultura da comunidade judaica no RS, história que começou em 1904 e, portanto, completa 120 anos agora.

Foi no Chagall que comecei a me interessar pelo passado (especificamente sobre o passado do judaísmo) e a trabalhar na preservação e divulgação desta memória.

De lá prá cá, eu tenho me perguntado: 

  • Para quê serve a memória, além de nos abastecer de informações no dia a dia?
  • Como a memória e nossa identidade evoluem, se modificam?

” A construção da memória é uma maneira de legitimar e dignificar o presente. A composição do passado traz um sentimento de serenidade. Por meio da memória, o sujeito busca a afirmação da sua identidade e assim constrói a história da sua vida.”
“As histórias que relembramos não são espelhos do nosso passado, mas traduzem traços desse passado e os moldam para que se ajustem às nossas identidades e aspirações atuais, em um processo de composição de memórias.”
Alistair Thomson

2. Memória, relações e atitudes na era digital

O Ambiente

Vivemos um tempo no qual recebemos, principalmente no celular, uma enorme quantidade de informações: instantâneas, frequentes (durante todo o dia e até quando estamos dormindo), diversas no conteúdo e na forma, várias delas contraditórias, de ilimitadas fontes, muitas vezes desconhecidas e não confiáveis.

O ser humano, já está provado, tem uma tendência a ficar rapidamente viciado em receber informações recentes e descartar as informações anteriores, num ciclo frenético e permanente. Somos “novidadeiros” por natureza, a informação nova estimula a produção de dopamina – o hormônio da felicidade. Nosso cérebro, ao mesmo tempo que tem satisfação neste ciclo, tem dificuldades de acompanhar e entender tantos e tão diversos impulsos.

É preciso adaptar-se a tantas novidades e mudanças, selecionar (filtrar) o que é importante ou não, analisar dados e opiniões, comparando com nossos padrões anteriores, discernir o que deve mudar em nossas concepções e, por fim, registrar (guardar, salvar) tantas informações. São tarefas difíceis, mais ainda se exigirem rapidez.

“As redes sociais induzem um funcionamento aleatório, o sujeito anda por vários assuntos, sem foco. O tempo passa e ele não retém nada, mas é submetido a trocas constantes de assunto, sem nenhuma profundidade. É um fluxo mental que não cria uma hierarquia de importância nem uma possibilidade classificatória dos temas. Essa diarreia mental é uma forma de hiperatividade que destrói a atenção profunda, não apenas dos portadores de TDAH, mas de todos os usuários.”
Mario Corso (1959-)
Psicanalista

Este ambiente gera uma situação de insegurança, nos níveis pessoal e relacional em grupos familiares e sociais, uma perigosa confusão mental, um não saber discernir entre o certo e o errado, um avaliar equivocado, um desconfiar de tudo e de todos.

Antes tínhamos apenas as reportagens, artigos e opiniões que líamos nos jornais e os livros. Hoje, infinitos perfis nas redes sociais falam sobre tudo, além de nossos amigos omitindo opiniões diversas em aplicativos de mensagens. Sem falar nas revistas, blogs e jornais eletrônicos. Até publicar livros ficou fácil. A informação nos chega, todos os dias, como uma série de tsunamis contínuos.

Daí torna-se comum cair em golpes e em armadilhas da linguagem. Em tempos de tanta desinformação, é bom ficar atento às 38 falácias – estratégias de argumentação para enganar o “outro” com base na habilidade verbal e na acuidade de raciocínio – que Schopenhauer listou no livro “Como vencer um debate sem precisar ter razão”.

Nestas condições, torna-se difícil solidificar posições, muitas vezes baseadas em fake news, limitações de conhecimento e em opiniões imparciais, tendenciosas.

A conclusão é que vivemos num CAOS INFORMACIONAL e, por consequência, numa CRISE DE VALORES.

“A hoje percebida aceleração da vida cotidiana parece que vem fazendo com que a História seja esquecida e desconsiderada. O que vale é o presente e com a vista no futuro. A bruma do tempo envolve o passado, obscurece a memória e ocasiona a perda das cores especiais de cada época, com suas luzes e sombras.
Homens e mulheres contemporâneos têm medo do passado. Professores, estudantes e bibliotecários tendem a buscar e valorizar obras contemporâneas. Tudo aquilo que foi publicado há mais de 20 anos é considerado ultrapassado e deve ser lançado no baú do esquecimento.
No entanto, é imprescindível conhecermos o passado para obtermos um melhor dimensionamento do presente e a coragem para projetar o futuro almejado.”
Pedro Gilberto Gomes
Doutor em Comunicação e professor da Unisinos

O que dizem os especialistas

Para manter alguma sanidade mental e paz de espírito no meio do caos de informações e da crise de valores, os especialistas fazem algumas recomendações:

  • Praticar a contenção emocional, não reagir imediatamente às coisas que nos chocam, ou seja, tentar racionalizar.
  • Treinar a disciplina, estabelecendo horários de proximidade e de afastamento das redes sociais, mensagens etc. Nos períodos de afastamento, buscar opções analógicas para ocupar o tempo.
  • Já que os conteúdos que recebemos na internet são geralmente superficiais, é preciso exercitar a concentração, o foco, para conseguirmos nos aprofundar num assunto, quando for necessário ou desejado. 
  • Treinar a memória, buscando atividades mentais e intelectuais que estimulem o registro de novos conhecimentos e a busca do que já temos guardado.
  • Diante da crise de valores, sugere-se buscar princípios e conceitos confiáveis na história, que pode ser uma âncora de preceitos consolidados.

Como resolver? Percebi há uma solução que auxilia a resolver quase tudo isso: a leitura de livros.

Ivan Izquierdo, um renomado neurocientista, afirmava que a leitura é a melhor prevenção à demência, pois nos obriga a ativar nossos neurônios. A cada letra ou palavra lida, o cérebro precisa buscar na memória sua pronúncia, seu significado e seu encadeamento lógico. 

Hugh McGuire, um editor de livros dos USA, cujo trabalho diário é ler livros e escolher os que serão publicados, não conseguia mais se concentrar na leitura, exatamente pelo fenômeno da hiper conectividade. Seu cérebro tinha fome de informação nova e se distraia a cada minuto. Seu neurologista explicou o fenômeno da dopamina e ele, com bastante disciplina e esforço, passou a limitar os horários de conexão até que conseguiu recuperar o poder de concentração.

Alain de Botton, um filósofo e escritor suíço que vive em Londres, descreveu, no livro “A Arte de Viajar”, a nossa compulsão em captar fotos de todos os lugares e situações. Segundo ele, seria para nos apoderarmos daquele momento, já que será tão fugaz, diante da correria da vida. A solução que ele propõe é que sentemos diante de um local que apreciamos e tentemos desenhar o que vemos. Mesmo que não sejamos bons desenhistas, teremos tido uma proximidade maior com o local e a vivência irá se registrar em nossa memória, trazendo satisfação mais adiante, ao ser recordada.

Por falar em livros e memória, lincando ao judaísmo e à história, recomendo “Os Amnésicos” – uma espécie de autobiografia familiar de Géraldine Schwarcz, uma jornalista franco-alemã. O livro acompanha três gerações de sua família e foca na época do nazismo, reconstituindo o trabalho de memória e a tentativa de desnazificação empreendida na Alemanha e noutros países da Europa. 

Atitudes (minhas reflexões e sugestões)

No dia a dia

Diante de tantas fontes e publicações, é preciso ser um pouco jornalista e desconfiar de notícias e opiniões disruptivas, extraordinárias. Não que todas sejam mentiras, mas fatos raros são exatamente isto: raros. Por isso, informações surpreendentes precisam sempre ser checadas em fontes confiáveis e diferentes.

Aqui adianto uma característica judaica que coincide com a atitude de questionar. O diálogo judaico (e mesmo a reflexão) evolui baseado nas perguntas, no questionamento. É muito comum uma pergunta ser respondida com outra pergunta e, assim, o assunto vai crescendo e amadurecendo. Dizem que onde há dois judeus há três opiniões distintas. Uma piada conhecida é a do judeu que ficou perdido durante anos, sozinho numa ilha deserta. Quando lhe perguntaram por que tinha construído duas sinagogas, ele responde: 

– Porque eu não concordo com o judaísmo praticado naquela outra.

Buscar o contraditório é fundamental hoje em dia. Mesmo que seja diferente de nossas opiniões. Iluminando nossas ideias com outras luzes podemos aprimorá-las (ou até modifica-las). Só assim é possível evoluir, crescer.

Respeitar o diferente (desde que ele também nos respeite), no ambiente explosivo das redes sociais é uma tarefa necessária e difícil. Ao nos depararmos com manifestações que nos chocam, seja pela surpresa, agressividade, excentricidade ou por serem muito diferentes de nós, nossa tendência é responder de forma irracional e destemperada, muito mais do que faríamos numa discussão ao vivo. O distanciamento provocado pelas telas parece que facilita a liberação de “cobras e lagartos”.  Mas esta atitude é como tentar apagar incêndio com gasolina. 

Não devemos esquecer de que do outro lado da tela há um ser humano como nós, mas suas opiniões e valores podem ser muito diferentes das nossas. É preciso que a gente exercite a contenção e aprenda a dialogar nesta nem tão nova forma de comunicação. Conversar sem querer modificar a outra pessoa nem aceitar sua eventual tentativa de impor mudanças em nós é uma arte a ser aprendida. 

Ao mesmo tempo, tentar conversar com quem não nos respeita ou não está disposto a nos ouvir é não apenas inútil como prejudicial, pois traz um gasto de energia e nos provoca angústia e stress. Afastar-nos das pessoas desrespeitosas, radicais ou muito diferente de nós é, em alguns casos, uma atitude necessária.

No nosso pensamento

É fundamental utilizar nossos filtros internos para tratar as infinitas informações que recebemos. E ampliá-los. Filtrar não é apenas deletar o inútil, é também aceitar o que passa pela peneira e alterar nossos padrões internos.

Nossa capacidade de filtrar vem da formação pessoal e do conhecimento da verdade e da história. Comparamos as novas informações com os dados e conceitos que temos registrados na memória. Internalizamos e externamos o resultado do que passa por nossos filtros

“A memória é um imperativo da cultura, é até um mandamento bíblico – Lezakhor (lembrar, em hebraico). A memória é mais do que um dever, é fonte essencial de aprendizagens e identificações. Cada um é marcado pelas gerações passadas, pois a realidade psíquica expressa os laços simbólicos que constroem uma pessoa. Aprender com a história familiar dos demais enriquece a gente.”
Abrão Slavutzky (1947-)
Psicanalista e escritor

3. A Identidade judaica e a memória

Não há uma definição precisa sobre o que é a identidade judaica. Ser judeu é um conceito amplo, que envolve um misto de religião, cultura, tradições, nacionalidade, pertencimento. Em cada judeu, há uma mistura na qual estas características se apresentam em doses diferentes, até algumas plenas e outras inexistentes. Em todas as formas de sentir e viver a identidade judaica, há o sentimento de pertencimento a um grupo étnico, a um povo.

Memória e identidade judaica

A memória fundadora do judaísmo é o reconhecimento da existência de Deus, do pacto de lealdade, de memória e de sua revelação, firmado na libertação do povo do cativeiro egípcio (comemorado na festa de Pessach) e da entrega das Tábuas da Lei a Moisés, no deserto.

Este pacto foi o elemento constitutivo do judaísmo. Deus deixa aos israelitas a promessa que nunca se esqueceria deles, desde que fossem obedientes a Ele, guardassem e respeitassem Seus estatutos e desígnios. E os elege o “povo escolhido”, não por ser melhor do que os outros, mas porque os escolhe para a missão (Mitzvá, em hebraico) de propagar seus desígnios, gravados nos dez mandamentos.

Cria-se assim a obrigação de lembrar-se sempre de Deus e invoca-lo, recordando os milagres e livramentos realizados. Lembrar da existência de Deus, consagrar e ler diariamente a Torá (que conta a história do Antigo Testamento), são, assim, atos de memória da identidade judaica.

” Como ousa ter saudades desse esterco, dessa aldeia? Não se pode ter saudades do cheiro de esterco, mas sem saudades o que existe realmente, pois se formos definidos pelo que temos, então nossa situação é muito ruim, mas se formos definidos pelo que perdemos, então você está no topo da lista.”*
Gabriel García Márquez (2027-2014)
Escritor, Prêmio Nobel de Literatura (1982)
*em “Cem Anos de Solidão”

Ao longo do tempo, a identidade judaica ampliou-se, com o desenvolvimento de hábitos, tradições e uma cultura própria, influenciada também pelos locais onde o povo judeu se estabeleceu, na diáspora.

A própria religião mudou: a interpretação da Torá, expressa no Talmud – uma coletânea de livros sagrados, registro das discussões rabínicas sobre a lei e a ética judaica, os costumes e a história do judaísmo. As diferentes interpretações e o questionamento permanente criaram novas vertentes do judaísmo: a ortodoxa, a reformista, a conservadora.

Sem falar na divisão em dois grupos, por critério de origem: os Asquenazis, oriundos dos países da Europa Central e Oriental (França, Alemanha, Polônia, Inglaterra, Rússia, Leste Europeu etc.) e os Sefaradis, oriundos da Península Ibérica (Espanha, Portugal), países mediterrâneos (Grécia, Itália), norte da África (Egito, Marrocos) e Ásia Central.  

Hoje em dia, no meio do turbilhão formado pelo caos informacional e a crise de valores no ambiente em que vivemos, surgem algumas dúvidas inevitáveis.

  • Independente da condição judaica, o que fica?
  • O que permanece na memória e como devemos tratá-la, no âmbito pessoal, de grupo e comunitário?
  • Como podemos utilizar tanta informação para evoluir?
  • Como reforçar nossa identidade (inclusive a judaica)?

A história como âncora

Conhecer nossa a história tem significados para nós, como indivíduos. Saber sobre nossas origens dá mais sentido à nossa vida pessoal. Quando mantemos íntegras nossas vivências anteriores, nos sentimos bem. Quando reconhecemos nossa história identitária em relação ao grupo a que pertencemos nos sentimos mais íntegros e para isso mantemos hábitos e tradições, transmitindo-os às gerações seguintes.

O cultivo da memória nos invoca a guardar fotos, documentos, lembranças e objetos familiares. Somos seres grupais: acessar nossa história fortalece nossa sensação de pertencimento à família e ao grupo comunitário. 

Estas atitudes, próprias dos grupos identitários, aparecem também no meio judaico.

Identidade coletiva – a memória como elo de união

A memória coletiva é o que fez com que os judeus, embora espalhados pelo mundo, permaneçam unidos e identificado como povo.

  • Preservar a memória e transmiti-la para as novas gerações é (e sempre foi) muito importante.
  • O judaísmo tem preocupações pessoais com a hereditariedade e permanência de seus feitos, memórias e valores.
  • Na família, a oralidade tem muita importância. É o meio de transmissão da memória, das tradições, dos costumes e da história coletiva (familiar e grupal).

A identidade judaica é fortalecida pela família, amigos, entidades da coletividade e a vivências em acontecimentos e lugares. Israel é o local preferido para turismo, programas vivenciais de curto e médio prazo, além da formação de lideranças. 

“Se não soubermos esquecer, nunca estaremos livres da tristeza” 
Folclore judaico

Para a comunidade judaica, preservar a memória e transmiti-la para as novas gerações é (e sempre foi) muito importante. O judaísmo é considerado o “povo do livro”, por seu apego à educação e à leitura. “O que aprendo posso levar na mente, mesmo que eu tenha que fugir”.

A transmissão oral de hábitos e valores, na vida familiar, também tem muita relevância no judaísmo. A lembrança das perseguições e o risco de dissolução do grupo traz a necessidade de recordar sempre, para evitar a repetição.

Entre os imigrantes, contata-se a dificuldade de abordar o passado, por ter sofrido nas perseguições, por vergonha ou para preservar seus descendentes. Isso dificulta a transmissão da história e pode criar um hiato, se não for mitigado. 

Por outro lado, o excesso de lembranças doloridas e sua difusão trazem o risco da vitimização.

Pluralidade

A pluralidade judaica se dá não apenas pela forma de identidade escolhida (religião, cultura, sionismo etc), mas também pela origem, o que gera uma diversidade ainda maior de traços fisionômicos, cor da pele, hábitos, formas de praticar o judaísmo etc. Além dos grandes grupos – Asquenazi e Sefaradi – há judeus etíopes, chineses, drusos. 

Um grande contingente (em torno de 2 milhões de pessoas) de árabes moram em Israel. Eles não são considerados judeus, mas são cidadãos do país e tem todos os direitos, como educação, saúde, participação política e outros.

Ao mesmo tempo que cada judeu escolhe um caminho diferente, é preciso lembrar que são todos ramificações do mesmo caule, da mesma raiz. A história é como uma “cola” que os une, os torna semelhantes e os aproxima. 

A lembrança e o culto das tradições, leis, costumes, cultura e dos valores judaicos são elementos de identidade, preservados na memória coletiva como elo de ligação entre gerações, entre judeus de diferentes identidades e judeus de diferentes lugares. Povos que não preservaram estes elementos e se assimilaram completamente acabaram por desaparecer – incas, maias, índios americanos. Tanto na diáspora como em Israel, é consciente a transmissão de memória e valores judaicos, além da necessidade de união. 

“Aprendemos que o silêncio nunca é a resposta. Aprendemos que o oposto ao amor não é o ódio, é a indiferença. O que é a memória senão a reposta contra a indiferença?”
Elie Wiesel (1928-2016)
Escritor, Prêmio Nobel da Paz (1986)

Presença dos judeus na sociedade ampla

A sociedade ampla (não-judaica) no Brasil, em sua maior parte, ignora o que seja o judaísmo, mas parece aberta a conhecer a trajetória do grupo étnico e dos seus momentos na história do estado e do país. Na cronologia do país, há relatos de judeus vindos com a expedição de Cabral, muitos vindos logo após o descobrimento e um grupo vindo com a Invasão Holandesa.

Há muitos judeus presentes na cultura brasileira, assimilados à realidade do país e não identificados como judeus.

Mitos e falsas narrativas que geram antissemitismo podem ser derrubados (ou ao menos diminuídos) quando há integração dos judeus à sociedade ampla. Está provado que a melhor forma de acabar com preconceitos é a convivência em momentos de integração. 

4.O Instituto Marc Chagall

História

O Chagall foi fundado em 1985 por uma turma de profissionais liberais, empresários e intelectuais que se reuniu para promover a cultura judaica. O grupo era liderado por Ivoncy Ioschpe e Evelyn Berg que, mais adiante, foram morar em São Paulo e passaram a direção do instituto a outras pessoas.

No início, a ênfase do Chagall ocorria na promoção de eventos culturais, alguns de grande porte. Ao longo do tempo e principalmente depois da saída do casal fundador, o instituto passou a concentrar a memória das famílias e de algumas entidades da comunidade, mantendo a tradição de realizar eventos.

Hoje, o Chagall possui um acervo em torno de 45 mil itens, entre documentos e fotos da imigração, da colonização e da evolução da coletividade. Centenas de horas de gravação contém os depoimentos (histórias de vida) dos imigrantes. O acervo foi bem conservado pelas diretorias anteriores e se encontra bem preservado e organizado.

Objetivos

Como fazer de nosso acervo algo importante para as pessoas da comunidade judaica e da comunidade ampla?

A direção atual quer manter viva e presente a história de cada família, de cada pessoa. É preciso manter e disseminar os valores e costumes judaicos de humanismo, caráter, empatia, fazer o bem, união, solidariedade (ajuda mútua), leitura, estudo (conhecimento é atemporal e não depende de lugar), debate e reflexão.

Mas não basta apenas preservar fisicamente, como vem sendo feito. É preciso dar às pessoas um acesso amplo, fácil e atraente.

Planejamento estratégico

A diretoria atual está trabalhando para a manutenção e crescimento do instituto e na transição do analógico para o digital. Foi desenvolvido um planejamento estratégico que abrange quatro eixos e novos projetos.

Projetos

  • Digitalização e Difusão do Acervo- a digitalização vai permitir o acesso pela internet, através de um portal para pesquisas, um museu virtual, um memorial das famílias, exposições virtuais e outros recortes. O projeto já captou parte da verba e encontra-se em fase de pré-execução.
  • Melhoria da sede e conservação do acervo. Foram feitas diversas melhorias – instalação de ar condicionado e sistema elétrico, aquisição de novos móveis e equipamentos, troca das caixas de armazenamento do acervo e outras. 
  • Reabertura do espaço expositivo. Ocorrida em 5/8, com a abertura da exposição “O Legado da Bessarábia – A História dos Judeus na Moldávia”, promoverá exposições artísticas e históricas.
  • Polo de Turismo Histórico Judaico de Quatro Irmãos e Região. Iniciativa em desenvolvimento, para a criação de um polo de visitação turística nos locais de colonização judaica da cidade de Quatro Irmãos e região. A cidade se autodenomina “berço da imigração judaica” e possui ruas e locais que guardam a história dos primeiros colonizadores judeus. Uma equipe de guias foi treinada para receber os visitantes. Comidas, músicas e danças típicas judaicas foram ensinadas a pessoas e estabelecimentos locais, para entretenimento dos turistas.
  • Museu Judaico. Planeja-se a criação de um museu, no mesmo prédio em que está o instituto, ocupando mais um andar. O projeto museológico já foi desenvolvido. As próximas etapas serão o projeto arquitetônico, orçamentação, captação de recursos e execução.
  • Exposição itinerante. Está também nos planos a montagem de uma exposição itinerante do acervo, com instalações tecnológicas interativas, que poderá ser apresentada em eventos locais, nacionais e no exterior.

Para realizar estes planos, o instituto tem buscado recursos através das leis federais e estaduais de incentivo à cultura.

  1. Um pouco sobre minha identidade judaica

Não sou um especialista em judaísmo nem sou um acadêmico, sou apenas um “judeu cultural”, um curioso sobre o judaísmo, que conheço (não muito) por participar da comunidade e por algumas vivências e leituras:

  • Em casa, na família, tive uma formação judaica não-ortodoxa, festejávamos somente as grandes festas (Pessach, Rosh há Shaná/Yom Kipur). Não deixávamos de ter atividades no Shabat e não seguíamos os preceitos da Kashrut (leis da dieta judaica). Nosso judaísmo se dava mais pela preservação e transmissão dos valores humanísticos e culturais. Meus avós eram imigrantes, vieram da Polônia e Romênia no período entreguerras. Meus pais nasceram no Brasil.
  • Estudei no Colégio Israelita durante quase toda a minha juventude, saí em 1974. Lá, aprendi um pouco de hebraico e um tanto da história e da cultura judaica.
  • Frequentei desde criança os clubes judaicos, principalmente para esporte e lazer. Ainda jogo tênis num deles.
  • Participei por pouco tempo dos movimentos juvenis, que reúnem jovens para atividades culturais e esportivas.
  • Desde 2020, participo da diretoria do Instituto Cultural Marc Chagall e desde 2023 estou na presidência, até o final deste ano. 

Sobre memória e neurociência

Nestas áreas também sou apenas um mero curioso, não um especialista. Sobre a neurociência, especificamente, tenho procurado conhecer, pois tenho planos de escrever um romance de ficção (sou um escritor amador e eventual), que envolve conhecimentos científicos. 


Nilton Wainer é formado em arquitetura e análise de sistemas. Tem especialização em Gerência de Projetos. Trabalhou no Serpro, na RBS TV, TGD Computação Gráfica, Interativa. Atualmente é gestor de projetos de design, TI e marketing digital, além de dar aulas particulares de informática. 

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