Reportagem

Sarandizuela: O fim de um capítulo

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Sarandizuela: O fim de um capítulo Foto: Rodrigo Flores

“Começou a chover no domingo de madrugada e não parou, toda a noite e o dia inteiro, pelo resto da semana”, é assim que César Blanco descreve a última semana de abril de 2024. No sábado, 04 de maio, eles foram informados por amigos e pela prefeitura que o bairro Sarandi seria alagado, “então mandaram nos buscar e decidimos sair imediatamente”.

A vinda

Cesar e Magda Blanco contam que o motivo que saíram da Venezuela, seu país natal, não foi para fugir da crise econômica, mas porque receberam o convite de amigos que já moravam no Brasil. Aqui teriam onde morar e, conforme afirma Magda, teriam mais oportunidades de emprego. Isso foi um fator decisivo em seus planos. Em julho de 2023, o casal chegou ao Brasil. 

Os dois não demoraram para conseguir trabalho. No início ficaram hospedados na casa de amigos em Porto Alegre, até que encontraram um pequeno conjunto de casinhas para alugar três meses depois, no Sarandi. Como é apenas o casal, ambos trabalhando, o pequeno imovel parecia ideal. 

A enchente

Durante a enchente, eles ficaram hospedados na casa de um amigo, junto com outras 14 pessoas. Ali estiveram por dois meses e meio. Duas semanas após a inundação, eles conseguiram ir de barco até a sua antiga casa. Ainda embaixo d’água e sem poder entrar, puderam ter uma noção do estrago. Após a enchente, preferiram não voltar ao bairro. “Ficamos muito nervosos, com medo de passar por essa situação novamente. Não é fácil ter algumas coisas e depois precisar sair e deixar tudo, perder tudo de novo”, conta César.

Magda lembra que sair da Venezuela foi uma escolha deliberada e planejada, mas deixar sua casa em Porto Alegre não: “tivemos que tomar essa decisão forçada, e não é fácil quando tu já tens tudo organizado, teu ritmo de vida e de repente passamos por essa situação”. Agora é preciso reconstruir a vida, descobrir novas rotas para chegar ao trabalho, conhecer o novo local em que moram, “muda totalmente a vida, por mais que alguém queira levar o mesmo ritmo, não consegue porque as circunstâncias mudaram, já são outras”, conta Magda.

A Sarandizuela

Os casos acompanhados nessa série tinham três fatores em comum: eram imigrantes venezuelanos, moradores do bairro Sarandi e foram desalojados pela enchente. Nos últimos anos, o bairro na periferia da zona norte de Porto Alegre atraiu muitos imigrantes por conta do baixo custo de vida, fácil acesso a transporte público, entre outros. Apesar de representarem uma parcela proporcionalmente pequena da população do bairro, a presença venezuelana se fazia notar desde o som de salsa e merengue (ritmos musicais caribenhos) saindo das casas, passando pelo espanhol falado nas ruas e ônibus, até comerciantes brasileiros já acostumados a dizerem algumas palavras em castelhano. Por conta disso, ganhou de alguns o apelido de Sarandizuela, somando as palavras Sarandi e Venezuela, que deu nome a essa série.

Conforme relatei, tudo isso mudou em maio deste ano. O bairro, que tem um dique com o mesmo nome, foi um dos mais atingidos pela enchente e pela falta de manutenção do sistema de contenção que deveria protegê-lo. As casas, agora não tem música e sim marcas d’água ainda nas paredes; as ruas ficaram em silêncio cobertas de água, depois de entulhos, de vidas inteiras destruídas pela inundação. O Sarandi nunca mais será o mesmo, nem seus moradores, principalmente os imigrantes. 

Uma característica que marca aqueles que chegaram no país há pouco é morarem de aluguel. Também não exitam em mudar de casa, rua ou bairro se precisam, afinal de contas já deixaram seu país natal para trás uma vez, mudar para outra região na mesma cidade não é algo tão brusco. É impossível saber o futuro, mas provavelmente muitos dos venezuelanos que antes viviam ali vão se espalhar por outras regiões. Talvez, a Sarandizuela deixe de existir. A presença venezuelana em vez de se tornar uma característica marcante do bairro, será apenas um período de esperança com um fim trágico.


Rodrigo Flores é estudante de jornalismo na UFRGS e também morador do Sarandi. Contato: [email protected]

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