Nossos Mortos

Antônio Delfim Netto

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Antônio Delfim Netto

Figura de larga influência sobre a história brasileira das últimas cinco décadas, o nome de Antônio Delfim Netto (1928-2024) evoca hipérboles com a mesma intensidade das críticas que recebe. Economista de conhecimento enciclopédico e gestor de política econômica poderoso, tratou-se de um homem por cujas mãos passou a história do Brasil contemporâneo. 

Delfim Netto compõe um seleto grupo de homens que não apenas observaram, refletiram e interpretaram as transformações do país desde os anos 1970, como delas participaram diretamente. Encontram-se sob sua pena – tanto a de intelectual quanto a de policymaker – capítulos marcantes do desenvolvimento brasileiro os quais, de alguma maneira, retratam as conquistas e as agruras da realidade atual. Para o bem e para o mal, era um dos poucos homens autorizados a olhar para as últimas cinco décadas da história do Brasil e nelas reconhecer as próprias digitais.

Aluno da terceira turma de Ciências Econômicas da então Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA) da USP, Delfim Netto se formou em 1951 em um curso ainda significativamente marcado pelas influências dos estudos de Economia Política da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, origem da maior parte dos docentes da FCEA. No ano seguinte, iniciou sua carreira docente como professor assistente da cadeira de Estatística Geral, comandada por Luiz de Freitas Bueno. Em 1958, foi aprovado em concurso público na FCEA, tornando-se professor catedrático na cadeira de Economia Brasileira que, à época, abrangia também outras áreas: Análise Macroeconômica, Contabilidade Nacional, Teoria do Desenvolvimento Econômico, Programação Econômica e Planejamento Governamental. 

Em pouco tempo, liderou o avanço da instituição rumo à fronteira do conhecimento da teoria econômica por meio de seminários em que se perscrutavam obras de autores consagrados na academia internacional. Dessa forma, o jovem economista coordenou transformações substanciais pelas quais passaram o curso de Ciências Econômicas nas décadas de 1950 e 1960, estabelecendo crescente diálogo com as mais recentes e importantes contribuições internacionais da área.

Com um enfoque na temática da produção agrícola, Delfim Netto publicou importantes estudos entre 1958 e 1966, tais como: Alguns problemas da agricultura brasileira; Agricultura e desenvolvimento; O trigo no Brasil; Vinte anos de substituição do café brasileiro; O problema do café no Brasil; O mercado de açúcar no Brasil; e Sobre alguns problemas de planejamento para o desenvolvimento econômico. Sua biblioteca revela aspectos importantes dessa trajetória de estudos e pesquisas do economista, professor, ministro e personagem do debate público no Brasil. Seu enorme interesse pela evolução do conhecimento nas Ciências Econômicas levou-o a reunir livros clássicos do pensamento econômico, estudos especializados nas diversas áreas da economia, além de compêndios com artigos e materiais para estudos de temáticas variadas. 

Seu trabalho seminal sobre o café alçou-o à Secretaria da Fazenda do estado e, posteriormente, ao Ministério da Fazenda do governo Costa e Silva. Nome por trás do chamado “milagre econômico” (1968-1973), foi convocado a reassumir o comando da economia quando da eclosão de uma das mais graves crises econômicas por que passou o país, no início dos anos 1980. Participou ativamente do debate público mesmo após a queda do regime de exceção. Deputado federal por duas décadas, ajudou a pensar – e, eventualmente, a corrigir – o país cuja formatação recente ele mesmo havia operado.

A despeito dos erros cometidos durante as suas passagens pelo comando da economia – incluindo a indesculpável leniência com as atrocidades cometidas durante os anos de chumbo da ditadura militar, Delfim tem seu nome gravado no panteão dos brasileiros ilustres pelo conjunto de sua obra.


Ivan Colangelo Salomão, professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

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