Juremir Machado da Silva

Um tiro no coração em 24 de agosto

Change Size Text
Um tiro no coração em 24 de agosto
Há 70 anos matava-se Getúlio Vargas, o político mais longevo no poder da história do Brasil Generais reunidos, às 7 horas, Zenóbio da Costa, exausto, sem dormir, mas já bem escanhoado e com os olhos faiscando, jura pela sua honra sempre ter sido leal ao presidente e à sua função e ordena ao major Pedro Cavalcanti que proceda à leitura da nota de licenciamento redigida após a reunião ministerial da noite passada. Estampa-se no rosto de cada um a decepção. Juarez Távora baixa os olhos. Fiúza de Castro sacode a cabeça, inconformado. – Licença provisória, questiona grosseiramente – Como?, ganha tempo Zenóbio. – Que vai ser depois?, insiste Fiúza. – A licença do presidente é definitiva, pronto, diz Zenóbio, num impulso. – Definitiva? – Foi o que ouvi dos ministros depois da reunião. – Ah, então a coisa muda de figura. – A ordem será mantida? – O senhor tem a nossa garantia, ministro, de que a ordem será mantida. Aproveito para louvar e enaltecer a sua coragem, a sua bravura, a sua honra e a sua equilibrada condução dos problemas num período tão delicado da vida da nossa pátria, proclama Fiúza. Estranhamente abatido, Juarez Távora faz um gesto com a mão direita, parece que vai pedir para falar. Todos esperam que se pronuncie. Alto, tez bronzeada, com sua “cara de medalha”, impõe respeito desde antes da Revolução de 1930, quando era simples capitão. Ninguém esquecia a sua fuga da fortaleza de Santa Cruz, agarrado numa corda de lençóis, para continuar a luta contra as oligarquias. Depois de alguns segundos de hesitação, deixa a mão robusta recair sobre o colo e permanece em silêncio. Descontrai-se a atmosfera e todos se cumprimentam pelo fim da crise. Em poucos minutos repercute no Catete mal amanhecido a declaração de Zenóbio aos generais. Há, no palácio, uma atmosfera de casa abandonada, de tapera, ou de prédio público depois de uma catástrofe natural. O ex-chefe de Polícia, general Âncora, entra esbaforido na sala de Caiado de Castro, onde estão, um tanto confusos, Tancredo Neves e Bejo, e despeja:O Zenóbio disse que a licença é definitiva. – Como definitiva?, espanta-se Tancredo. – Definitiva, definitiva… – Mas se é uma licença! – Agora é uma renúncia, murmura Âncora. Descontrolado, Bejo corre para o terceiro piso. Vai num trote de homem da sua idade, segurando o coração, as tripas e a barriga. Já não é um menino. Sente o físico pesar-lhe até alcançar o elevador. Entra no quarto e encontra Getúlio acordado. – O mulato disse aos generais que a licença é definitiva. – Então quer dizer que estou deposto? – Não sei se estás deposto, mas sei que é o fim. – Por quê? Quem é o culpado? – Nós. – Que estás dizendo? – Foi o Lutero, Getúlio. – Hein? – Fui eu. – Que estás dizendo? Cala-te. – Fomos nós. Todos nós. – Nunca mais repita isso. Eu sei que não foram vocês. Eu sei quem foi. Sei quem e como me levaram a isto. […]

Quer ter acesso ao conteúdo exclusivo?

Assine o Premium

Você também pode experimentar nossas newsletters por 15 dias!

Experimente grátis as newsletters do Grupo Matinal!

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.