Porto Alegre: uma biografia musical

Capítulo CXII: Kleiton e Kledir – 8

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Capítulo CXII: Kleiton e Kledir – 8

Em 1993, a Polygram/Universal lança uma coletânea dos quatro primeiros discos da dupla, na série Minha História

Cem mil cópias vendidas.

Opa.

No ano seguinte, sai pela Warner um CD reunindo boa parte do repertório dos dois primeiros discos do Almôndegas (com a capa do Aqui Almôndegas, o que gera alguma confusão até hoje).

Também vende bem. 

Era a senha. 

O público lembrava da dupla, com saudade e carinho. 

Aí, em junho de 1995, depois de sete anos de afastamento e dez anos depois do último disco da sua primeira fase, está de volta a dupla Kleiton & Kledir. 

O CD é sintomaticamente chamado de… Dois

Mas aí talvez tenha sido um equívoco o conceito proposto pra essa volta pelo trio armado entre as gravadoras Som Livre, RBS Discos e a produtora DC Set. 

Ao invés de recomeçarem devagar, tateando o terreno, a decisão foi por não correr. E o que seria, segundo essa visão, naquele momento, um risco zero? Um repertório que misturasse algumas músicas novas – Mamma Mia, Guri de Salvador, Bry, Venus de Milo e Beira-Rio (todas assinadas pelos dois) – com muitos sucessos do passado: Deu Pra Ti, Nem Pensar, Paixão, Vira Virou, Tô Que Tô, Maria Fumaça e Canção da Meia-Noite.

Tudo vestido sonoramente com uma ideia de “modernização” do som da dupla no padrão MPB FM do meio dos anos 1990.

Gravado e lançado em 1996, Dois foi feito em estúdios do Brasil e dos Estados Unidos, com participações de ouro, como o acordeonista gaúcho Renato Borghetti, o clarinetista carioca Paulo Moura e o baixista argentino Pedro Aznar. Arranjos de base da dupla, arranjos de metais do velho parceiro Luiz Avellar e, como luxo, Eumir Deodato arranjando e tocando piano – na época, ele estava badaladíssimo em função de seu trabalho com a Björk mas há décadas não fazia nada para o mercado brasileiro. 

A produção é assinada pele dupla em parceria com o baterista do Cheiro de Vida, Alexandre Fonseca.

Resultado de tanta pompa e circunstância: apesar de boas novas canções como a belíssima Bry, o CD não empolga nem o público, nem a crítica. Entre as regravações, o pessoal seguiu preferindo as versões originais, que continuavam vendendo horrores nas coletâneas – quatro, no total, em diferentes séries, que somam meio milhão de cópias vendidas.

Os shows tampouco são um sucesso: em Porto Alegre lançam o disco no Auditório Araújo Vianna para pouco mais de mil pessoas (menos de um quarto da lotação).

Entram 1997 como uma das atrações do maior festival do Rio Grande do Sul, o Planeta Atlântida, e logo em seguida gravam sua participação no mítico programa Ensaio, de Fernando Faro, na TV Cultura de São Paulo (estão entre os raros gaúchos a conseguirem a façanha, ao lado de Lupicínio Rodrigues). O programa será lançado mais tarde em CD e DVD. 

Kleiton começa sua carreira de escritor, com um livro de iniciação musical para crianças, O voo do dragão, que vinha acompanhado de um CD cujas músicas hoje estão disponíveis nas plataformas digitais.

E aí, em 1999, são contratados pela poderosa Universal – a mesma que tinha lançado as coletâneas que batiam recordes de vendagem da dupla.

Mas Max Pierre, o diretor da gravadora, resolve tentar outra jogada confirmada. Uma jogada resumida no título do novo: Clássicos do Sul. A oferta é irrecusável: afinal ele lhes oferece para fazer o disco uma cifra gigantesca para qualquer astro da MPB ou do rock, e totalmente inédita para um artista gaúcho: astronômicos 200 mil dólares.

O CD tem Luiz Carlos Borges no acordeom, novamente o argentino Pedro Aznar, o percussionista também argentino Ramiro Musotto, o baixista sul-africano Bakithi Kumalo (que estava em alta pelo disco Graceland, de Paul Simon), o guitarrista Ricardo Silveira, orquestra de cordas e metais. 

No repertório, os maiores standards da música do Rio Grande do Sul, de variadas épocas e procedências: Pára Pedro (de José Mendes/Portela Delavi, que eles já haviam gravado), Haragana (Quico Castro-Neves, sucesso dos Almôndegas), Coração de Luto e Gaúcho de Passo Fundo (ambas de Teixeirinha), Felicidade (Lupicínio Rodrigues), Negrinho do Pastoreio (Barbosa Lessa), Nuvem Passageira (Hermes Aquino) e as folclóricas Balaio, Pezinho, Minha Carreta (Carreta de Quitanda) e Boi Barroso e Gauchinha Bem-Querer, de Tito Madi. Além da regravação de Trova (Kleiton/Kledir), com um novo final.

Tudo costurado em arranjos ultrapops, cheios de loops de percussão brilhantemente armados por Musotto, produzidos pelo mago da produção de MPB Mazzola (olha ele aí de novo!). Até a Xuxa é chamada pra cantar o Pezinho, e a ideia é a de uma modernização da música regional gaúcha que tecesse um paralelo com a axé music. São ele que começam a falar em tchê music, ideia e conceito que logo seriam apropriados e deturpados por uma infinidade de conjuntos de baile gaúcho como Tchê Garotos, Tchê Barbaridade, Tchê Guris etc., etc., etc. 

Hoje é fácil de falar, retroativamente. Mas olhando daqui, se naquele mesmo momento a opção tivesse sido por um Kleiton & Kledir em clima Acústico MTV (a febre da época), metade Almôndegas, metade repertório da dupla, podia ser que o resultado tivesse sido mais compensador.

O disco naufragou miseravelmente.

* * *

Mas o que importa é que a carreira estava retomada, e em espiral crescente. Fazendo shows onde o elemento do gauchismo passa a ser tão forte quanto estilizado – o que, evidentemente, gera mais público fora do que dentro de seu Estado natal. 

No final de 2002, a Universal recoloca nas lojas, em CD, toda a discografia da dupla e os dois últimos discos dos Almôndegas – hoje tudo disponível nas plataformas digitais.

Enquanto isso, Kleiton retomava sua carreira acadêmica, finalmente concluindo o mestrado em música eletroacústica na UFRJ em 2003 – orientado por Rodolfo Caesar, que fora aluno e era discípulo do pai da música concreta e eletroacústica, Pierre Schaffer. Ele falou sobre isso e sobre uma série de trabalhos que até hoje não foram lançados: 

Não confundir essas escolas de música contemporânea com essa musiquinha chata feita com teclados por todo o lado. (…) Estou com várias obras que criei em computador sintetizando (…) sons gravados e transformados, violinos, orocongos, kazoos, vozes, sons de ondas, paisagens sonoras e muito mais, trabalhando em direção a músicas do futuro. Pelo menos é o que acredito. 

Chega a dar aula de Estruturação Harmônica na universidade, enquanto Kledir publica seu primeiro livro de crônicas, Tipo Assim, e acabaria com um programete também de crônicas – em vídeo – no Canal Brasil. Anos depois, manteria por longo tempo uma coluna também de crônica no jornal gaúcho Zero Hora.

Em 2005 a dupla grava um DVD ao vivo num Salão de Atos da PUC lotado – produzido pelo britânico Paul Ralphes e dirigido pelo craque gaúcho Renê Goya. Se chama Kleiton & Kledir ao Vivo e é lançado em DVD e CD pela Orbeat Music, gravadora que então o grupo de comunicação RBS tinha. O CD  lhes dá o prêmio Tim de Melhor Disco de Canção Popular.

Dez anos depois de retomarem a dupla, a coisa estava reengrenando forte.


Arthur de Faria é pianista, compositor e arranjador. Doutor em Literatura Brasileira pela UFRGS, na área de canção popular. Produziu 28 discos, dirigiu 12 espetáculos. Escreveu 52 trilhas para cinema e teatro em Porto Alegre, São Paulo e Buenos Aires. Lidera a Tum Toin Foin Banda de Câmara e teve peças interpretadas por orquestras e solistas de várias cidades brasileiras. Tocou em meia dúzia de Países e 19 estados brasileiros. Lançou 20 álbuns e EPs e três livros sobre a música de Porto Alegre, dois deles você leu primeiro aqui na Parêntese, em capítulos.

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