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Diego Mac cria novos paradigmas na dança com arte e tecnologia

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Diego Mac cria novos paradigmas na dança com arte e tecnologia Reprodução: "What Would Be Your Last Kiss", Diego Mac

Na terça-feira (29/11), o artista, diretor de dança, coreógrafo, bailarino, videoartista, artista 3D, produtor e gestor cultural – a lista é longa mesmo – Diego Mac recebeu a distinção de personalidade do ano no Prêmio Açorianos de Dança 2022. O reconhecimento chega em um final de ano cheio de novidades e trânsitos internacionais na carreira do artista. 

Há mais de 15 anos trabalhando com arte e tecnologia com o objetivo de criar novos paradigmas para a dança contemporânea brasileira, Mac tem se dedicado a criações coreográficas a partir de animações e simulações 3D. Com o uso da tecnologia, ele afirma que é possível não apenas explorar novos corpos, novos movimentos e novas danças – uma tríade que forma o objetivo central da sua pesquisa artística –, mas também encontrar novos caminhos para comercializar e distribuir dança também como um objeto artístico. 

Adepto, estudioso e entusiasta de NFTs, da web3, do metaverso e de outras tecnologias, ele defende que esses campos são a gênese do que vai vir em termos de mercado, de trocas simbólicas, de relações interpessoais, de criação de valor, de criatividade. Entre novembro e dezembro, suas criações integram exposições coletivas no Rio de Janeiro e São Paulo, e também em destinos no exterior tão distintos quanto Los Angeles, Kuwait, Rússia, Tóquio, Amsterdam e Uruguai. Na entrevista a seguir, conversamos sobre sua trajetória, a aproximação com o digital, seu processo criativo e sobre o uso da tecnologia como aliada da arte. 

Tu tens uma longa trajetória nas artes cênicas e na dança. Por qual caminho se deu tua aproximação com o campo da animação e da modelagem 3D?

A relação com a tecnologia não é novidade para mim. Desde 2006, me relaciono com outros dispositivos para criar dança – dispositivos tecnológicos e midiáticos de produção de imagem. Eu fiz o trabalho Pas de corn, que é um trabalho super emblemático pra videodança no Brasil, utilizado como referência ainda hoje. Nele, utilizei a tecnologia videográfica para criar um corpo de baile formado por pipocas. Fiz uma dança sem o corpo humano, uma dança para satirizar o corpo do bailarino. Eu sempre tive essa busca por questionar o corpo que dança, apresentar outros corpos dançantes, popularizar, democratizar os corpos como eles são e que todos eles são possíveis de fazer dança, são possíveis de dançar. A tecnologia sempre me auxiliou nesse sentido, sempre foi uma via criativa para poder colocar isso em pauta, para poder apresentar isso. Então, eu venho trabalhando com isso. Passei por um mestrado em que eu criei um trabalho chamado Colecionador de movimentos, que era um trabalho já interativo na época. E aí, com pandemia, com essa repressão do corpo dentro de casa, a impossibilidade de produzir danças, de produzir espetáculos, comecei a voltar o meu olhar para outras ferramentas criativas e de produção de imagem,  de produção de movimento que eu pudesse utilizar, que fossem acessíveis. Fui me reaproximando das tecnologias de vídeo, mas me aproximando também das tecnologias de animação e simulação 3D. E aí comecei a desenvolver essa linha de pesquisa dentro do meu trabalho artístico que mistura a linguagem da dança com as técnicas de simulação 3D, animação 3D, metaverso, web3, NFT. Enfim, vem tudo no mesmo pacote. 

Quando tu fez e qual foi tua primeira obra com esse meio?

A primeira, que a gente chama de gênesis dentro desse universo, é a Sylphides 3.1. É um trabalho que tem circulado pelo mundo inteiro, que tem me levado para diversos lugares do mundo mesmo eu estando aqui em Porto Alegre. O trabalho é uma citação direta a obras de grande referência e importância na história da dança. La Sylphide (1832) e Les Sylphides (1909) são peças bastante importantes dentro da narrativa da dança mundial. Uso  as peçascomo ponto de partida para provocar as relações entre o clássico, o tradicional e o contemporâneo, para jogar aí questões do que está por vir no futuro da arte, da dança, dos corpos em movimento. Utilizo alguns elementos estéticos da Sylphide, como as figuras aeradas, na ponta dos pés, e também esses elementos a partir de novos protocolos da web3, da ficção científica, do biofuturismo e das técnicas de animação e simulação 3D. Aquela figura feminina, romântica, aérea, sobre-humana dá lugar a uma figura mais andrógina, que não é nem masculina nem feminina, é descentralizada, de pulso coletivo, com corpos moles, com corpos plásticos, com movimentos que são desconectados mas articulados ao mesmo tempo, com articulações hiperflexíveis, que se dobram para além do que a gente espera. Então são outros corpos, outros movimentos, outras danças. Esse trinômio tem me acompanhado na exploração da mistura da dança com o 3D: outros corpos, outros movimentos, outras danças. 

Quais as diferenças, novidades e possibilidades que o meio digital trouxe para a tua produção? 

Eu identifico que é a possibilidade de apresentar, de oferecer ou de transformar a dança em um objeto. A gente tem uma relação histórica da dança com sua natureza efêmera, performática, do aqui e agora, que acontece em um tempo e espaço específico e que se dissipa assim que foi realizada. Essa é a característica da dança, e vai continuar sendo, claro. Mas, o digital traz a possibilidade de retenção disso, de transformar isso em um objeto e isso, pra mim, tem sido revolucionário. Na verdade, isso tudo me coloca mais perto de um objetivo que eu busco desde que eu comecei a trabalhar como diretor, em 2002, que é colocar a minha dança na prateleira das Lojas Americanas. E mais do que um objetivo comercial, de vender a dança, é um desejo de popularizar a dança, de formar público, de tornar a dança acessível para as pessoas e de dominar mais e melhor os processos econômicos que envolvem o fazer artístico, que é algo que, historicamente, por vezes fica tão distante da nossa formação artística e da nossa própria carreira. O digital me coloca nas mãos o meu próprio produto, sem intermediários, sem mediações. Criar minhas próprias coisas e decidir quando, onde e para quem eu quero vender, quanto eu quero cobrar, acompanhar a movimentação do trabalho, a movimentação do valor, me traz um empoderamento enquanto artista que é muito importante. E possibilita isso em meio a uma realidade na qual a arte tá cada vez mais colocada para baixo do tapete ou sendo escanteada. 

O que tu levas do meio físico para o digital nos teus trabalhos? E o que tu traz do digital para tuas novas criações físicas? Uma coisa se integra a outra, se complementa? 

O físico vai para o digital e o digital vai para o físico, sem dúvida nenhuma. Na verdade, quando eu crio dança como material digital, todo o meu corpo tá envolvido nesse processo. A minha mente, o meu cérebro, a cognição e também a minha mão, o meu mouse – muitas das movimentações que eu faço nos meus trabalho são organizados, provocados pelo mouse. Então o meu corpo todo tá envolvido nesse processo. Para mim, não há uma distinção entre a performance física e a dança digital. É a mesma coisa. É o mesmo objetivo. São materiais diferentes. São procedimentos diferentes. Mas se parte de algum lugar muito semelhante, ou se chega em um lugar muito semelhante. Essa proximidade tá o tempo inteiro presente e eu acredito que isso tem tudo a ver com o futuro, com o que tá por vir em termos de produção, criação e pesquisa artística, de relacionamento interpessoal, de ativismo cultural. As maneiras da gente viver e coexistir, de conviver, tudo mediado pela tecnologia digital. Essa vai ser a relação daqui pra frente, a mistura do on e do off, do físico e do digital. E a arte tem muito a contribuir com essas visões, tendências e reflexões, com a projeção de novos mundos, de novas realidades. Imaginar cenários. E os artistas da dança em específico na relação com o corpo, na relação com o movimento. 

Como é teu processo criativo e de onde partem as ideias para tuas criações digitais? 

A minha criação vai muito a partir das novas possibilidades, das mudanças que o próprio conceito de dança vem passando. Como dançar na web3? Como coreografar no metaverso? Como reprocessar a revolução que foi eclodida pela relação entre dança, corpo, 3D e imersão? Essas são perguntas que balizam e impulsionam o meu processo criativo. Como artista eu busco respostas criativas para essas questões, misturando essas técnicas, essas linguagens e provocando alguns diálogos entre o que já foi, onde estamos e o que está por vir. Falando bem especificamente da dança, eu me aproprio de diversos elementos, como a valsa, o giro, a ideia de ponto de apoio, de eixo, a ideia de articulações, a relação com a gravidade, e eu submeto todos esses elementos – e vários outros – à lógica da animação e da simulação 3D. O 3D me dá a possibilidade de trabalhar com corpos moles, com corpos plásticos, com a expansão e contração de campos de força; me dá a possibilidade de aplicar vento, fluidos; me dá a possibilidade de baixar ou aumentar a gravidade. Como é que eu coloco um corpo, faço uma configuração ali de animação ou de simulação com um corpo ou com uma malha e baixo a gravidade? Como é que fica esse giro? Como é que fica essa pirueta? Como é que fica essa malha? A minha inspiração parte um pouco daí e a partir disso eu vou criando várias séries, vários desdobramentos, ramificações de uma mesma técnica, ou de uma mesma temática. E aquela ideia, que é permanente: outros corpos, outros movimentos e outras danças. 

Poderias explicar rapidamente o que é a web3 e qual o papel do movimento Brashill o qual tu integras? 

A web3 tem tudo a ver com descentralização. Estamos buscando uma conexão, um sistema, uma rede em que os pontos sejam descentralizados e autônomos, sem uma instituição que faça mediação disso e dos nossos dados. Essa é a ideia da web3. Hoje a gente ainda tá na web2, então a gente tem grandes conglomerados de mídia, grandes instituições que ainda detém o poder das relações, das comunicações, como o Google. Na web3 a gente teria relações mais horizontalizadas, sem tanta hierarquia. As tecnologias de blockchain, de NFT e até de metaverso se amparam nesse conceito. A gente ainda tá caminhando, ainda estamos no início disso tudo. E o movimento Brashill é um movimento super importante na cultura brasileira, liderado pelo Ariel Gricio e pela Laura Faria, que são dois artistas, e que recebe novos artistas no universo da blockchain, da criptoarte, da web3. O objetivo do Brashill é facilitar o acesso de novos artistas nessas tecnologias. É um trabalho bem importante, pedagógico inclusive. Então as pessoas que não conhecem, não sabem do que se trata, o Brashill faz essa porta de entrada, dá acesso às pessoas, com tutoriais, grupos e fóruns de discussão, inclusive auxílio de recursos, de criptoativos, de criptomoedas, pros artistas que estão iniciando nessas tecnologias para que eles possam cunhar suas primeiras obras. 

O digital expandiu as possibilidades de circulação.Tua obra tem circulado, literalmente, pelo mundo. Como vês esse movimento? 

Isso é incrível, é algo que até então eu não tinha vivenciado. Eu trabalho com duas coisas diferentes, mas interdependentes: o 3D e a pesquisa artística em si, e o NFT, que é uma maneira de distribuir e comercializar a produção artística que eu tenho feito. O volume de criação, de comercialização, de distribuição e de circulação do trabalho tem a ver com uma necessidade minha de expressão, de falar com as pessoas, de querer estar no mundo, de atuar, de criar, de publicar, de criticar e que a dança, numa forma mais tradicional, não me possibilita mais. Porque na medida em que eu quero criar todo dia uma obra nova, por menor que ela seja, a dança, na sua forma tradicional, me tira essa possibilidade, seja por conta dos elementos que são necessariamente físicos e presenciais, como o corpo, a sala de ensaio, pelas relações entre pessoas ou pelas contingências políticas e econômicas, especialmente em Porto Alegre, no sul do sul da América do Sul. A dança digital me traz uma subversão disso, é o extremo oposto. É poder criar todo dia, fazer o quanto eu quiser e distribuir isso, comercializar, fazer circular. Eu fico um pouco assustado às vezes pensando como vou dar conta de tudo que está acontecendo e como posso compartilhar isso com meus colegas, como posso contribuir para o meu próprio campo. Fiz, recentemente, um encontro de instrumentalização básica para artistas da dança, como um projeto de extensão do curso de licenciatura em dança da UFRGS, no qual falei um pouco sobre o que tá acontecendo para novos artistas e artistas que querem entrar nesses universos. Acho que isso é uma maneira de compartilhar o que vem acontecendo comigo. Mas é tudo muito novo, tudo começando agora.  

Por que deveríamos nos aproximar e entender melhor esse mercado de NFTs, blockchain e web3? 

Essas tecnologias, se não são o que vão mudar radicalmente as maneiras de nos relacionarmos, de nos comunicarmos, são a gênese do que vai vir em termos de mercado, de trocas simbólicas, de relações interpessoais, de criação de valor, de criatividade. NFT, blockchain e web3 me parecem ser também novos modelos tecnológicos que dão conta de novos modelos comerciais e sociais. NFT teve um estouro midiático que trouxe um pouco de equívocos em termos de entendimento do que ele é. As grandes compras e vendas por milhões e bilhões de dólares aconteceram, mas a coisa não é bem assim. É um mercado como qualquer outro. Não é colocar uma coisa ali que vender e tu vai ficar rico. Longe disso. É uma nova forma de comercializar, de distribuir, de fazer circular o teu trabalho artístico. E é muito potente porque nos tira de dimensões locais e nos coloca em contato com o mundo inteiro. A grande revolução da blockchain e da NFT é a possibilidade da titularidade. Você consegue publicar a sua obra de arte e garantir que essa obra vai ficar ali, cunhada para sempre, pode ser vendida e revendida no decorrer do tempo e para cada venda que for feita, cada revenda, o artista ganha um royalty, ganha um percentual sobre aquela venda. Então isso é, sim, uma maneira do artista investir em arte e tecnologia a longo prazo, e de se relacionar com o mercado, com a economia. 

Quais os planos para o próximo ano? 

Estou começando a desenvolver o Tendências de movimento, que vai ser um projeto guarda-chuva para 2023-2024, com diversas ações que vão apontar tendências de movimento para o futuro. Assim como a gente tem tendências de moda, tendências econômicas, tendências de design, acho que falta falar sobre tendências de movimento, inclusive em áreas que não são artísticas, onde o movimento é utilizado como material, como elemento, como valor. Dentro dele, uma das ações é a Oficina Permanente de Criação em Dança, que vai voltar em 2023, com a temática aliens. Vou trabalhar a ideia do corpo extraterrestre, alienígena, do corpo que não é visível, que não conhecemos. E tenho também um projeto de criação artística, que é fazer a minha versão de Swan Lake, o Lago dos Cisnes, em 3D, como NFT. Vão ser pequenas obras com a música do Tchaikovsky e corpos 3D. 

Relembre a entrevista com Diego Mac sobre o projeto Dance a Diversidade.

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