Memória

A Carola em Porto Alegre desenha a Família D

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A Carola em Porto Alegre desenha a Família D

Nota editorial: A tocante história que vai se ler agora recupera a história de uma avó, Oma em alemão. Sua neta, a autora do texto, relata a história da Carola para nos brindar com uns desenhos feitos por ela, quase 80 anos atrás. Carola estava em Porto Alegre, distante de seus filhos, que permaneciam em Encantado, na casa do pai de Carola, enquanto a mãe trabalhava numa casa de família na capital. Os desenhos trazem um ar de crônica de costumes, com um toque de humor e certo traço pedagógico, talvez inspirado no famosíssimo trabalho de um quadrinista alemão, Wilhelm Busch, que inventou os pequenos Max e Moritz (que na versão brasileira se tornaram Joca e Chico).


A vida da minha avó, ou melhor, da minha Oma Carola Prinz, teve muitas aventuras. Para contar histórias na hora de dormir para as crianças, por exemplo, eu entre elas, ela nem precisava de contos de fadas ou de livrinhos de história, contava mesmo coisas de sua vida, sempre muito emocionantes.

Incrível é que, mesmo não estando mais entre nós, segue nos contando histórias, como a vez em que, há uns 15 anos atrás, por caminhos tortuosos, chegaram a nós cartas que ela escreveu de Encantado para as tias de Breslau, na Alemanha, durante as três primeiras décadas do século passado, contando coisas sobre a vida daqui. E agora, mais recentemente, com muitas fotos, desenhos, cartas e outros documentos, guardados pela minha tia Sigrid, que nos últimos anos morava comigo e faleceu em 2023, me deixando estas preciosidades. Dentro de um envelope estavam uns desenhos em quadrinhos, que eu já sabia que existiam, mas que só agora fui olhar com calma, e achei ótimos. Estes quadrinhos retratam o dia a dia da Carola em um período que ela passou em Porto Alegre trabalhando na casa da família D. Ela desenhou estes quadrinhos durante os meses de novembro e dezembro de 1947 e os mandou aos poucos pelo correio para casa, em Encantado.

Carola tinha muito senso de humor, lembro bem dela dando risadas. Os desenhos mostram como ela conseguia, com humor, superar as agruras de ter de trabalhar como empregada doméstica, e, ainda por cima, para uma patroa meio difícil.

Carola (Prinz) nasceu em 31/01/1892, em Schierstein, às margens do rio Reno, na Alemanha. Hoje Schierstein faz parte de Wiesbaden, que na época era a cidade grande mais próxima. Foi a segunda dos cinco filhos de Gustav Prinz e Lina Schreiber. O pai do Gustav, Martin Prinz, era proprietário de uma fábrica de vinagre em Schierstein, sendo uma pessoa de posses. 

Gustav tinha estudado Química em Wiesbaden e trabalhava como enólogo para fabricantes e comerciantes de vinho. Conheceu Lina quando trabalhava para um atacado de vinhos em Goerlitz, e ela em um atelier de costura de uma tia na mesma cidade. Casaram-se em Dresden e logo se mudaram para perto da família dele. Em 1899 a família se mudou para Esmirna, na Turquia, onde Gustav trabalhou para uma vinícola alemã.  Não ficaram muito. Em 1900 mudaram-se para a Argentina, primeiro para San Juan e depois para Luján de Cuyo, ao lado de Mendoza, onde Gustav Prinz também trabalhou como enólogo para vinícolas alemãs. Em 1906 resolveram sair de lá por causa do terremoto que destruiu Valparaíso, e que também foi sentido em Mendoza.

Antes de sair da Alemanha – Carola à esquerda
Carola com os irmãos na Turquia, ela é a menina do meio
Carola com os irmãos na Argentina, ela na frente com o cabrito

No final daquele ano, Gustav veio para o Rio Grande Sul procurar um lugar seguro para se instalar com a família. Subiu pelo rio Taquari e, segundo a lenda, ao chegar em Encantado gostou muito do lugar porque o rio ali se parecia com o Reno. Em abril de 1907 a família já estava em Encantado.

Assim, Carola, então com 15 anos de idade, foi parar no meio do mato. Ela e os irmãos tinham ido à escola na Turquia, num colégio francês, e na Argentina. Em Encantado o pai ensinava e orientava os filhos nos estudos. Tinham uma biblioteca grande em casa, coleções sobre ciências da natureza, medicina, história, geografia, artes plásticas, enciclopédias, obras completas de Schiller e de Goethe, livros para crianças e adolescentes, livros de aventuras, livros antiquados para meninas, livros sobre mitologia, e até sobre espiritismo, acompanhando a moda da virada do século. Carola tinha uma queda por esoterismo na juventude, e tinha uma pasta com desenhos que dizia ter psicografado.

Gustav tentou várias culturas em Encantado. Parece que inicialmente plantou videiras, que não se desenvolveram a contento. Cultivou ervilhas, aspargos, repolhos etc. Depois da Primeira Guerra Mundial, ele foi para a Alemanha buscar a herança do pai, que tinha falecido em 1917.  Comprou uma pianola.

Carola com o pai Gustav, o irmão mais novo Egon e as irmãs Irma e Maria, ela na direita, em Encantado na década de 1920

Na volta a Encantado, construiu uma grande estrutura para a fabricação de conservas de legumes, o que por algum tempo deu certo, inclusive recebeu um prêmio na exposição de comemoração dos 100 anos da independência do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1922. Mas o sucesso não durou muito, um lote de latas de chucrute estragadas derrubou a situação financeira, e o negócio quebrou. Dizem que teria quebrado de qualquer forma, porque ele não tinha jeito para negócios, que era um sonhador, que gostava mesmo era de escrever histórias para as crianças. Escreveu muitas para meu pai, seu neto, várias em versos.

Carola fez um curso de desenho e pintura por correspondência e começou a pintar na década de 1920.  O estilo inicial dela era clássico, depois foi ficando mais impressionista. Ela era pretensiosa, dizia que era guiada pelo espírito de Renoir.  Desde muito nova, já mostrava talento para as artes.

Sobrevivem até hoje alguns móveis que ela projetou e foram elaborados por um habilidoso marceneiro de Encantado, acho que se chamava Nardin, nos primeiros anos em que ali se estabeleceram.  É o caso de um armário de canto para livros e uma linda cristaleira, ambos com entalhes de desenhos “art nouveau”.

Retrato da irmã Maria, pintado nos anos 1920

Chegou a época de casarem os filhos de Gustav e Lina. Para isto esperavam que aparecessem alemães adequados na região; casar-se com italiano, nem pensar! Apareceu de fato um alemão, casou-se com a irmã mais velha em 1917. O irmão mais novo ignorou a regra e se casou em 1923 com uma descendente de italianos. Só a Carola foi no casamento deles; os demais fizeram as pazes quando nasceram as crianças. O próximo alemão a aparecer se casou com Carola, em 1927. Eles continuaram morando em Encantado.

Meu pai, Herbert, nasceu em 1928; quando ele tinha 4 anos, a família se mudou para Estrela. Em 1933 nasceu Sigrid, e em 1935, Ingo – os três filhos que Carola teve. Nesta época ela conheceu os protagonistas dos quadrinhos, as pessoas da família com a qual viria a trabalhar em Porto Alegre. Essa família, antes de 1935, também morava em Estrela.

A vida não deve ter sido muito fácil em Estrela, basta pensar que a família morou em quatro casas diferentes em quatro anos. Em 1937 o casamento acabou, e Carola voltou com as crianças para Encantado, para a casa do pai e da irmã mais nova. A mãe já tinha morrido em 1921, de uma forte gripe. Teria a gripe espanhola chegado em Encantado?

Nos anos 30, a família em Encantado criava galinhas Leghorn e fornecia ovos para um comerciante de Estrela. Além disso, alugavam um espaço ao lado da casa, que ficava em um local elevado à beira do rio Taquari, para armazenamento de tábuas, que eram trazidas da serra, e, amarradas em fardos, eram levadas por barqueiros rio abaixo em forma de jangada, quando o rio estava alto.

Durante a Segunda Guerra, quando foi proibido o ensino em alemão e houve restrições à circulação de cultura nessa língua, eles não tiveram maiores problemas com as autoridades, além de umas ocorrências folclóricas. Por exemplo, Carola foi orientada pelo delegado a tingir o cabelo das crianças de preto, para não chamarem a atenção. Ela não seguiu as instruções. Gustav Prinz foi preso por algumas horas, após a polícia fazer uma busca na casa e ter encontrado uma escopeta, que era do genro dele. Na ocasião encheram uns sacos de livros, todos em alemão, e os levaram para a delegacia, onde supostamente alguém sabia alemão. Os livros foram devolvidos depois, exceto um sobre a guerra russo-japonesa, e o primeiro volume de uma coleção sobre mitologia grega. Quanto à língua, eles continuaram a falar alemão dentro da família, durante a guerra e depois; ali no interior parece que ninguém se importava com isto.   Mas todos também já tinham aprendido a falar português. No período da guerra, para ganhar algum dinheiro, começaram a vender coisas dos galpões da desativada fábrica de conservas. Folhas de zinco estavam em falta no mercado, assim conseguiam um bom preço pelas telhas desse material.  Nestes anos, mandavam pacotes de mantimentos para os parentes em dificuldades na Alemanha.

Em 1941 Encantado foi atingida duramente pela enchente. A casa deles, apesar de na beira do rio, não foi atingida, mas ficou cercada pela água. Resolveram construir outra casa, num local mais alto, para onde se mudaram em 1942.

Como forma de obter algum dinheiro, nos anos 40, antes da temporada de trabalho em Porto Alegre, Carola e a irmã mais nova, Irma, chamada Mima, começaram a costurar roupas de baixo femininas para vender, e a fazer riscos para bordados sobre tecidos, usando uns moldes que tinham encomendado pelo correio. Estes moldes são mencionados no bilhete que Carola escreve para Sigrid, no verso de um dos quadrinhos.

Carola, por algum tempo, viajou com o casal Ostheimer, de Roca Sales, que ia de cidade em cidade com um Ford 29 oferecendo este tipo de mercadoria. Ela contava que certa vez o vizinho de quarto no hotel onde pernoitaram ficou furioso com ela por causa do ruido que ela fazia ao rasgar os tecidos para as toalhas de bordado.

Carola com os 3 filhos, da esquerda para a direita, Ingo, Sigrid, Carola, Herbert, provavelmente em 1946 ou 1947.

Em 1947 a situação financeira provavelmente estava muito ruim, o que deve ter levado Carola a aceitar o trabalho doméstico em Porto Alegre, na casa de antigos conhecidos de Estrela. Suponho que não tenha sido uma decisão fácil, já que ela tinha um filho pequeno ainda, de 12 anos, e a filha adolescente de 14 anos. Talvez tenha vislumbrado também a possibilidade de meu pai, que tinha 19 anos e trabalhava informalmente em uma mecânica em Encantado, conseguir um emprego melhor em Porto Alegre, e quem sabe, estudar.  Ela tinha imposto como condição o filho poder morar com eles enquanto estivesse lá.  Meu pai fez a Carteira de Trabalho dele em Porto Alegre no dia 25/08/1947, dando como endereço o dos empregadores da mãe.

Ele chegou em Porto Alegre quando sua mãe já estava lá. Veio com um velho motociclo. Um primo tinha arranjado para ele um emprego numa serralheria. Foi fazer a Carteira de Trabalho e depois foi trabalhar nela. Ali só aguentou por duas semanas cortar ferros da manhã até a noite. Desistiu deste emprego e, vagando pelas ruas à procura de outro, se agradou de uma oferta numa fábrica de bombas, chamada UR, começou a trabalhar lá, mas estava acontecendo uma greve dos trabalhadores e foi duramente hostilizado por eles. Assim, depois de mais uma semana, resolveu voltar para Encantado, desiludido. Ele lembra do fedor horrível na viagem de volta, com as estradas cobertas com camadas de gafanhotos em putrefação. Procurei informações sobre a nuvem de gafanhotos, achei que tinha sido em 1946. Mas a data da Carteira de Trabalho do meu pai mostra que em 1947 os gafanhotos continuavam a assolar o Rio Grande do Sul.

Não sei por quanto tempo exatamente a Carola ficou neste emprego. Imagino que tenha começado um pouco antes de meu pai chegar, digamos, no início de agosto de 1947. Não poderia ter sido muito antes, porque ela se queixa no bilhete, no último dos quadrinhos, datado de 08/12/1947, de que, além da Sigrid e do Ingo, ninguém ainda tinha escrito cartas para ela. Ainda de acordo com o bilhete, ela receberia visita da Sigrid depois do Natal. Será que ficou 1948 inteiro?  O meu pai e um primo que vivia em Encantado na época não lembram. Certo é que ela em 1949 já estava de volta, pois tenho um quadro que ela pintou em 1949.

Flores pintadas pela Carola em 1949

Dali em diante a situação financeira parece ter melhorado. Meu bisavô, nascido em 1866, já idoso, participou de uma sociedade numa olaria, passando a receber valores regularmente. Meu pai saiu de Encantado em 1950, vindo a morar e trabalhar em Cruzeiro. Minha tia Sigrid, em Encantado, já tinha começado a trabalhar fora, como técnica em contabilidade. Em 1954 meus pais se casaram, e em 1957 começam as minhas lembranças diretas da minha Oma e de Encantado.

O mínimo que posso dizer é que lá era o paraíso. A menos de 100m da casa de 1942, onde então moravam meu bisavô, que faleceu em 1958, a irmã mais nova da Carola e um primo, a tia Sigrid tinha construído uma casa para ela, colada num antigo paiol de milho. A Oma morava com ela, e ocupava a parte do paiol; ali tinha um quarto com duas camas, e um quartinho que era o atelier dela, onde havia mais uma cama, além dos quadros, do cavalete, da paleta, das tintas, dos pincéis. Lembro de ela me levar para fazer a sesta junto com ela na cama do atelier, em tardes geladas de inverno. A Oma era tão quentinha!

Muitas vezes passei tempos com ela, junto com minha irmã mais velha, ou com minha irmã imediatamente mais nova. Eu tinha a sorte de estar no meio. Outras vezes também ficava só eu lá com ela. Nunca fiquei com saudades de casa. A Carola tinha um respeito e um amor muito grande pelas crianças, dava colo, nunca repreendia, nunca levantava a voz.  Guardava papéis de embalagens para a gente desenhar e pintar. Muitas vezes nós ficávamos ao lado dela enquanto ela pintava, tentando pintar também. Ela jogava com as crianças, moinho, damas, quarteto e especialmente palavras cruzadas de tabuleiro; ela ria muito quando conseguia escrever um nome feio. Em 1963 a tia Sigrid foi trabalhar em Caxias, e a Carola se mudou com ela para lá. De lá, lembro de muitas vezes ela pegar a caixa com as fotos antigas, me mostrar uma a uma, me contando quem eram as pessoas, e coisas relacionadas com elas. Ela sempre continuou pintando, até não conseguir mais enxergar. Viveu até os 103 anos, sempre lúcida e de bom humor, e interessada no presente e nas novas tecnologias. Perguntava sobre o funcionamento de computadores, esperava por um aspirador de pó robô. Ficou decepcionada quando minha tia comprou um aspirador de pó nos anos 80, porque ele não fazia o trabalho sozinho.

Do paraíso de Encantado sobraram só as lembranças das crianças que foram felizes lá, porque as casas, as árvores, os cactos, nada mais existe, depois que o traçado da RS-130 passou por cima, ainda nos anos 1960.

A Carola tinha me prometido que, quando morresse, se fosse possível, iria aparecer para mim. Eu estava esperando por um fantasma convencional, que nunca me apareceu. Mas depois entendi que ela me acompanha sempre, através de todas estas lembranças que deixou.

Quadro com bois e araucárias, de 1963

Os quadrinhos

A Carola conhecia a Família D do tempo em que morou com seus filhos e marido em Estrela (1933 a 1937), e esta família também morava lá. Parece que eles já eram conhecidos do pai dela, Gustav Prinz, anteriormente. Os D provavelmente se mudaram para Porto Alegre em 1934, pois Carola recebeu um cartão de aniversário deles no início de 1935, com uma foto do casal Amelie e Julius D, em que aparentam ali ter em torno de 65 anos de idade. Em 1947, portanto, deviam estar beirando os 80.

Eles moravam em Porto Alegre na rua Cristóvão Colombo, um pouco adiante da cervejaria Brahma, atual Shopping Total, vindo do centro em direção ao bairro, do lado direito. Meu pai Herbert lembra da casa, que era uma casa boa, que tinha o morro logo atrás, acha que tinha uma entrada de garagem, que nos fundos tinha uma oficina. Um dos quadrinhos desenhados por Carola mostra que eles tinham telefone em casa, o que, na época, era um luxo para poucos.

A casa não existe mais; há um edifício dos anos 1970 naquela numeração. Moravam ali juntos a Amalie e o Julius, e um irmão da Amalie, o Wilhelm, a quem possivelmente a casa pertencia. Ele era chamado de Willem, dentro da família deles, e secretamente de Wimmel pelos nossos, e, segundo o Herbert, pelo Julius também. O Wimmel estava caduco, como se dizia na época, possivelmente tinha Alzheimer. “Wimmel” não significa nada, mas o verbo “wimmeln”, designa a situação em que muitas coisas estão em grande agitação aleatória. Conta o meu pai que ele, quando passava pela Carola, em qualquer hora do dia, dizia “Hab ich schon guten Morgen gesagt, Fräulein Carola?” (Eu já disse bom dia, senhorita Carola?).

Carola foi trabalhar com essa família supostamente como cuidadora, mas está claro que fazia serviços domésticos comuns na casa.  Não se sabe ao certo por quanto tempo ficou por lá, mas pelo menos parte de 1947 e parte de 1948. Em 1949 ela certamente já estava em Encantado, porque tenho um quadro que ela pintou nesse ano. Vai ficar evidente nos quadrinhos que Amalie, a mulher retratada nos desenhos, era uma pessoa extremamente sovina. Segundo Herbert, meu pai e filho mais velho de Carola, Julius era bem tranquilo, e ficava na dele. A tia Sigrid já tinha me mostrado estes quadrinhos anos atrás e me falou de alguns causos de que ela sabia de a Carola contar. Tem um que a tia Sigrid me contou, mas que não está nestes desenhos: Amalie fez biscoitos deixando a manteiga de fora da receita, porque estava muito cara; naturalmente, os biscoitos ficaram horríveis. Me pergunto se não teria havido mais quadrinhos, agora extraviados.

Os desenhos foram feitos sobre papéis velhos, verso de propagandas políticas de candidatos a vereador, ou verso de um calendário. No quadrinho do buraco da fechadura, o verso estava em branco e ela escreveu uma explicação. No quadrinho do galo, também com o verso em branco, ela escreveu um bilhete para a Sigrid, donde se deduz que a Sigrid, com mais alguém, viria visitá-la depois do Natal de 1947. E que ela estava mandando estes quadrinhos para casa pelo correio, e queria que guardassem.

Tem um quadrinho, de 02/12/1947, “Fräulein Carola mit Söhne und Tochter” [Senhorita Carola com seus filhos e filha]. Nada indica que os filhos tenham estado com ela nesta data. O desenho deve ter sido um desejo dela de estar com os três. Chama a atenção que as caricaturas representam muito bem cada um dos quatro personagens. Não há informação sobre idas da Carola para casa, em alguma folga. No Natal de 1947 está claro que ficou em Porto Alegre, considerando o bilhete mencionado acima. Os quadrinhos datados deixei em origem cronológica. Os não datados coloquei na posição que parecia mais adequada.

Sem Data

Legenda: Die Haar könnt mer sich ausreisse ja ja ausreisse mh mh ganz toll werd me ganz toll ja, ja, zsc, zsch. Mer meint mer hätt de Kopp voll Schränk ja Schränk ja ja teuer teuer

Tradução: É de se arrancar os cabelos sim sim arrancar, deixa a gente bem tonta bem tonta sim, sim, zsch, zsch. Parece que se tem a cabeça cheia de armários sim armários sim sim caro caro

Sem data

Legenda: Carola das Wasser läuft das pure Geld das pure Geld ja ja laufen lassen, laufen lassen, das teuere Geld ja ja mh mh ihr wisst nicht was sparen heisst ja ja

Tradução: Carola, a água está correndo, o puro dinheiro, o puro dinheiro sim sim, deixando correr, deixando correr, o caro dinheiro sim sim mh hm a senhora não sabe o que significa economizar sim sim

Sem data

Legenda: Teuer teuer Cr$ 10 halbes Kg Knackwurst Julius! Julius! Cr$10!  Ein Leben ein Leben ja ja ein teures Leben was man durch macht ja ja aufhängen möcht man sich ja möcht man sich zsch zsc zsch

Tradução: Caro caro Cr$ 10 meio Kg de salsicha Julius!  Julius! Cr$10! Uma vida uma vida sim sim uma vida cara o que a gente tem que passar sim sim dá vontade de se enforcar sim dá vontade zsch zsch zsch

07/11/1947

Legenda:
Zählungstag
Zsch!  Zsch!
23 halbe Orangendoce
Pflaumen 53 Stück
Bananen 23
Zsch  Zsch Zsch

Tradução:
Dia da contagem     
Zsch!  Zsch!
23 doces de meias laranjas
53 Ameixas
23 Bananas
Zsch  Zsch Zsch

07/11/1947

Legenda:
20 Cr$ das Kg ja viel zu teuer ja ja mh mh für den Julius könnt ihm so passen ja ja Pflaumen fressen ja ja
Für Willem 1 Pflaume er isst sie so gern man muss ihm manchmal was süsses geben. Für den Julius, nein das geht nicht ist viel zu teuer

Tradução:
20 Cruzeiros o quilo sim caro demais sim sim mh mh para o Julius ia servir mesmo sim sim devorar ameixas sim sim
Para o Willem 1 ameixa, ele gosta tanto, a gente tem que dar alguma coisa doce pra ele de vez em quando. Para o Julius, não, isto não dá, é caro demais

09/11/1947

Legenda:
Julius will am Ofen die Gieskanne löten
Amalie: Das gibt’s nit das gibt’s nit, mach‘s mit dem Fogareiro,
mit dem Fogareiro, ja ja mh mh

Tradução:
O Julius quer soldar o regador no fogão
Amalie: Isso não, isso não, faz com o fogareiro, com o fogareiro, sim sim mh mh

Sem data

Legenda:
Tem vitela? Não! Mas que barbaridade, será possível? Tem se vontade de se enforcar sim sim para se enforcar
Não não senhora tem carne de porco! Está muito bem muito bem então mande um kg porco sim sim

10/11/1947

Legenda:
In Livree
Wimmel sucht Geld zusammen für einen Schrank für uns zu kaufen. Unsere alte Köchin ist ahnungslos

Tradução:
De uniforme
Wimmel está procurando dinheiro pra comprar um armário para nós. Nossa velha cozinheira não tem ideia do que está acontecendo

14/11/1947

Legenda:
Amalie wascht sich, Wimmel klopft an die Türe, frägt was er anziehen soll, sie schreit schwer beschäftigt, was du gestern angehabt hast
Wimmel: Er beiss nit er beiss nit ke ke ke ke

Tradução:
A Amalie está se lavando, o Wimmel bate na porta, pergunta o que ele é pra vestir, ela grita, extremamente ocupada, o mesmo que tu vestiu ontem
Wimmel: Ele não morde, não morde ke ke ke ke

20/11/1947

Legenda:
Oda schreit am Schlüsselloch: der Breite der Breite, bis von drinnen in schwachem Ton kam, na ja de Breite
Tante Amalie schreit drinnen: der Runde ja der Runde ist Cr$ 1 billiger ja der Runde der Runde der Runde

Tradução: Oda (Carola) grita no buraco da fechadura: o largo o largo, até que do lado de dentro num som fraco veio, tá bom, o largo
Tia Amalie grita do lado de dentro: o redondo sim o redondo é Cr$ 1 mais barato sim o redondo o redondo o redondo

A seguir, a explicação no verso deste quadrinho

Explicação:
Ich wollte einen Piassavabesen, mit mühe hat sie zugegeben. Da kam der Armazém Bul und sagte sie hatte einen runden Pinsel bestellt, ich sagte nein, ging’s ihr aber am Schlüsselloch sagen, dass ich keinen Runden wollte. Es gab einen tüchtigen Schreikampf, ich bin aber Siegerin geblieben – bis jetzt noch immer!
Der Breite kostet aber auch 8.50
Der Runde                                     7.50

Tradução:
Eu queria uma vassoura de piaçava. Com muito esforço consegui que ela concordasse. Daí chegaram do Armazém Bul dizendo que ela tinha encomendado um pincel redondo (*), eu disse que não, mas fui dizer pra ela no buraco da fechadura que não queria o redondo. Aí ocorreu uma intensa batalha de gritos, mas eu fui vencedora – até agora ainda sempre!
Mas a vassoura larga custa 8.50
O pincel redondo                      7.50

(*) Aqui se trata de uma escova com cabo curto com um pincel de piaçava na extremidade, que se usava para limpeza de vaso sanitário até há não muito tempo atrás. Esta história a Sigrid tinha me contado

25/11/1947

Legenda:
Amalie: Carola der Bacalhau stinkt nicht ja ja stinkt nicht stinkt nicht, den kann mer noch gut esse ja ja gut esse ja ihr seid zu empfindlich ja ja
Carola:  er stinkt er stinkt er stinkt er stinkt
Amalie (Schliesslich mit wimmernder Stimme): Wenn du meinst ja schad ja schad der teure Fisch Cr$ 25 das Kg

Tradução:
Amalie: Carola, o bacalhau não fede sim sim não fede não fede, dá pra comer muito bem ainda, comer muito bem, tu és muito sensível sim sim
Carola: Ele fede ele fede ele fede ele fede
Amalie (Enfim, com voz chorosa): se tu achas, que pena que pena o peixe caro Cr$ 25 o kg

29/11/1947

Legenda: Carola, das schöne Wasser lass stehn ja das schöne Seifenwasser ja da wasche ich noch meine Hosen drin aus ja meine Hosen drin aus ja
Ja ja Carola ich habe ihn schon lang nicht mehr gewaschen ja lang nicht mehr gewaschen er riecht immer noch nach Fett ja nach Fett ja ich reibe ihn ordentlich reibe ordentlich

Tradução:
Carola, não joga fora a linda água, sim, a linda água de sabão, ainda vou lavar minha calça com ela, sim lavar minha calça
Sim, sim, Carola, já faz muito tempo que não lavei ela mais, sim faz muito tempo, ainda está cheirando a gordura, sim, a gordura, sim, vou esfregar bem, esfregar bem

29/11/1947

Legenda:
Die Lorelei am Küchentisch nach der Kopfwäsche

Tradução:
A Lorelei à mesa da cozinha depois de lavar a cabeça

30/11/1947

Legenda:
So ein Schwein ja ein Schwein der Julius ja ein Bauer ja ein Bauer ja ja das reine Tischtuch ja ja das reine Tischtuch ein Schwein ja ein Schwein ja  mh mh zsch zsch

Tradução:
Que porco sim um porco o Julius sim um colono sim um colono sim sim a toalha de mesa limpa sim sim a toalha de mesa limpa um porco sim um porco sim mh mh zsch zsch

01/12/1947 (?)

Legenda:
Zahltag! Sehr schlechte Laune!
Das viele Geld Cr$ 700  Cr$ 700 das viele Geld ja für nix für nix ja mh mh zsch

Tradução:
Dia de pagamento! Mau humor terrivel!
Este monte de dinheiro Cr$ 700 Cr$ 700 este monte de dinheiro sim pra nada pra nada sim mh mh zsch

02/12/1947

Legenda:
Grosse Wäsche Montag

Tradução:
Segunda-feira da grande lavagem de roupas

02/12/1947

Legenda:
Amalie: Unverschämt unverschämt ja ja Cr$ 400 für eine Köchin ja unverschämt ja mh ein Heidengeld ja unverschämt ja zsch zsch zsch mehr als unverschämt
Correio do Povo: Todesanzeigen, Empregos Domésticos

Tradução:
Amalie: Vergonhoso vergonhoso sim sim Cr$ 400 por uma cozinheira sim vergonhoso sim mh uma dinheirama sim vergonhoso sim zsch zsch zsch mais do que vergonhoso
Correio do Povo: Obituário, Empregos Domésticos

02/12/1947

Legenda:
Fräulein Carola mit Söhnen und Tochter

Tradução:
Senhorita Carola com filhos e filha

Sem data

Legenda:
Um Gottes Willen Carola, net zu gross net zu gross ja ja der Julius will gleich ein paar Stück esse ja ein paar Stück esse könnt ihm so passe ja könnt ihm so passe ja  viel zu teuer viel zu teuer ja mh mh
Honigkuchen ja mh zsch

Tradução:
Pelo amor de Deus Carola, não tão grande não tão grande sim sim o Julius vai logo querer comer alguns pedaços sim alguns pedaços, bem que ele ia gostar sim bem que ele ia gostar sim, caro demais sim mh mh
Bolo de mel sim mh zsch

08/12/1947

Legenda:
Ein prachtvoller Hahn ja ja eine schöne grosse Leber ja schöne grosse selten grosse Leber ja und ein Blut ja ein gesundes Blut ja ein gesundes Blut ja ein schönes rotes Blut rotes Blut ja mh mh ein kleiner Magen ja ja

Tradução:
Um galo esplêndido sim sim, um fígado lindo e grande sim lindo e grande, grande como poucos sim e um sangue sim um sangue saudável sim um sangue saudável sim, um sangue vermelho lindo, sangue vermelho sim mh mh um estômago pequeno sim

No verso deste último desenho tem um bilhete para a Sigrid:

Liebe Sigrid,
Ich habe bis jetzt noch keinen Brief ausser von Ingo und von Dir, habe auch beide beantwortet. Also, wenn die Schablonen noch nicht abgeschickt, so bringt sie nach Weihnachten mit, es eilt nicht, wenn ich was brauche, kaufe ich mir. Schreibt mir mal ein paar Worte. Wer sammelt, Dada oder Herbert? Da sollen die zwei auch noch dazu. Herbert soll mir schreiben.
Viele Grüsse und Küsse Allen, Mutti

Tradução:
Querida Sigrid,
Até agora não recebi nenhuma carta além da do Ingo e da tua, e respondi as duas. Bom, se os moldes (*) ainda não foram enviados, tragam eles junto depois do Natal, não tem pressa, se eu precisar de alguma coisa, eu compro. Me escrevam algumas palavras! Quem está colecionando, a Dada (**) ou o Herbert? É para juntar mais estes dois. O Herbert é para me escrever.
Saudações e beijos para todos, Mamãe

(*) Estes moldes são os moldes para fazer riscos de bordado

(**) Dada é outro apelido da tia Mima (Irma), irmã mais nova da Carola


Gisela Ranck é engenheira química aposentada, neta da Carola Prinz Ranck.

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