Ensaios Fotográficos

a pele da destruição

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a pele da destruição

Depois que as águas do Guaíba recuaram, o panorama geral foi um rastro de destruição. As marcas nas paredes dos prédios e das casas indicavam a altura que a enchente atingiu, definindo novas linhas de horizonte: dessa faixa para baixo, tudo se encontrava tingido de marrom, não poupando nem a vegetação das praças ou a grama verde da orla.

No entanto, a enchente é um encadeamento de fatos. Dias depois, a lama começou a secar, revelando superfícies castigadas, enrugadas e impregnadas com o cheiro de decomposição. Com efeito da forte umidade, mesmo nos ambientes já secos o bolor e o mofo começaram a tomar conta das paredes.

O fotógrafo japonês Shomei Tomatsu compilou no livro “Skin of a Nation” seus registros e impressões de um Japão pós-guerra, capturando a resiliência e transformação do país através de imagens que refletem a devastação e a reconstrução, bem como a identidade cultural em meio às mudanças profundas. Talvez a pele seja a superfície que mais consiga expressar a vulnerabilidade, diretamente exposta às intempéries e às provações da vida, podendo simbolizar tanto as cicatrizes dos traumas quanto a força de um povo que se reconstrói e se reinventa diante da adversidade.

Realizei estas fotos algumas semanas depois da água baixar dentro do Museu do Trabalho, um galpão de mais de 100 anos situado na Rua da Praia, que abriga exposições, oficinas de gravura, sala de dança e um teatro. Certa vez, observei o Hugo Rodrigues, diretor do Museu, mostrando para um visitante as paredes sujas da oficina – marcas da passagens de tantos artistas que por ali deixaram suas impressões. Ele falava sobre cada mancha e risco, como se cada um contasse um pouco da história do processo criativo daqueles que ali trabalharam. Agora as paredes são testemunhas não da criação, mas de uma lembrança dolorosa de destruição. No entanto, penso que cada marca, por mais desoladora que pareça, é um lembrete do que foi e do que ainda pode ser. Elas sugerem que a arte nunca morre; ela apenas espera para ser redescoberta e recriada.


Thais Ueda é artista visual, pesquisadora e designer gráfico, paulistana que escolheu e adotou o Rio Grande do Sul como lar. Atualmente sua pesquisa artística se dedica a buscar imagens e paisagens nas texturas das pedras, nas manchas das paredes e nas aguadas de nanquim. Instagram: https://www.instagram.com/thaisueda/

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