Juremir Machado da Silva

Sacanagens do Uber

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Sacanagens do Uber Foto: Paul Hanaoka/Unsplash

O deslumbrado tecnológico de plantão, que os mais habituados à linguagem rude das redes sociais chamariam de imbecil tecnológico de plantão, nunca hesita: diante de uma novidade, grita: “É o paraíso”. Foi assim com o surgimento do Uber e do transporte por aplicativos. O ITP (imbecil tecnológico de plantão) chamou de velho, estúpido e burro todo mundo que enxergou o roteiro de cara: preço baixo, balinha e carro bom serviriam para desarticular o serviço de táxi, que era ruim, com tarifas altas e carros mulambentos, mas tinha também virtudes, como o preço fixado em lei. Uber já impôs a sua norma. Hoje, já é difícil encontrar corrida realmente mais barata que de táxi. Os carros do ponto do HPS, em Porto Alegre, são melhores do que todos os carros do Uber X, categoria que usa carrinhos 1.0 apertadinhos e sem força em qualquer subida mediana.

Os truques do Uber para enrolar os usuários são muitos. Agora tem o upgrade para encontrar carro mais rápido, o que pode encarecer a corrida em até 20%. As balinhas sumiram faz tempo. Os carrões só em categorias mais caras. As esperas podem levar até 15 minutos ou mais. Uso Uber e táxi o tempo inteiro. Chego a pegar quatro por dia. Sei do que estou falando. Corrida que eu pagava R$ 14 a um ano agora sai por R$ 24, R$ 28 ou até mais. Preço alto não é só em horário de pico. O dinamismo do Uber não tem hora. Tem carro fazendo Uber mais xexelento do que os táxis de antigamente. O ITP continua, porém, convicto de que Uber é sempre mais barato, com carro melhor e serviço mais eficaz. É uma questão, como diria o sociólogo Dominique Wolton, de ideológica tecnicista, a crença de que a tecnologia resolve tudo. Pode existir algo mais atrasado do que dizer para o motorista: faça a volta que vamos deixar o fulano ali? Nada disso, altere no aplicativo. Motorista de Uber só usa a voz para falar do aplicativo.

Por que eu uso Uber e não só táxi? Porque não sou dogmático. Com a desarticulação dos táxis, que já não rodam buscando clientes e abandonaram certos pontos, pedir carro por aplicativo virou, em alguns momentos, a única solução. A máxima liberal de que o mercado regula o preço se confirmou: regula de acordo com o seu interesse e, estrangulada a concorrência, regula para cima. O mais patético é que aplicativos como o do Uber podem ser feitos em qualquer lugar. O vira-latismo, contudo, só faz pensar e pedir Uber, mais ou menos como comprar geladeira da Frigidaire em tempos idos. Como só se pensa em Uber, tem mais motorista fazendo Uber. Logo, é mais fácil encontrar um Uber. Em consequência, Uber avança para o monopólio com preço alto, carro ruim e motorista sorumbático e mudo.

Outro dia, pegamos um Uber para subir a Protásio Alves, em Porto Alegre. Nada de muito acentuado como elevação. O carrinho resfolegava, o motorista transpirava; o pobre veículo estrebuchava, o condutor se afundava; o autinho patinava, o chofer fazia cara de paisagem em dia de chuva. Vencemos o terrível obstáculo. Chegamos ao destino. Como eu nunca havia pego o mesmo motorista duas vezes, dei o caso por encerrado. No dia seguinte, eis que ele se apresenta novamente. Pensei em alterar o itinerário para subir a grande lomba da Lucas de Oliveira. Era muito caro.

Nem vou falar dos cancelamentos depois de dez minutos de espera.

Uber debochou da inteligência de todo mundo desde o começo, quando dizia dar “caronas compartilhadas” e não fazer serviço de táxi. Ou ao se recusar a cumprir leis trabalhistas ou a respeitar a justiça de cada país. Uber é bico, sem proteção legal, o que permite a muitas pessoas trabalhar honestamente, mas sob grande exploração, quando há muito desemprego.

Deve acabar? Não. Deve ser regulamento e desmitologizado.

Não passa de uma narrativa.

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