Juremir Machado da Silva

“Minha França”: dicionário de afetos

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“Minha França”: dicionário de afetos Torre de Montparnasse ao fundo/Foto de Ana Cláudia Rodrigues

Carlos Heitor Cony foi um grande cronista brasileiro. Durante 25 anos ele não publicou livros, depois de vários lançamentos. Questionado sobre esse longo intervalo, saiu-se com uma boa tirada: “Eu publicava e ninguém tomava providências”. Ou seja, não repercutia. Ao se tornar colunista da prestigiosa Folha de São Paulo, as providências foram tomadas. Virou sucesso absoluto. Eu estou chegando a 45 livros individuais (mais 15 organizações de obras). Tenho mais cinco na gaveta. Como sempre disse, não tenho filho, cachorro, gato, carro ou caixa de ferramentas. Preciso me ocupar. O Internacional já não supre de alegrias o meu tempo livre.

Da pandemia para cá publiquei cinco livros: “Aura e imaginário: produção em revista (Sulina, 2021), “Memória no esquecimento” (romance, Sulina, 2021), “Machado de Assis, o cronista das classes ociosas: jornalismo, artes, trabalho e escravidão (Sulina, 2022), “Derrotados e triunfantes” (contos e microcontos, Almedina, 2023) “Escola da complexidade/escola da diversidade” (L&PM, 2023). Como saí da mídia convencional e passei e fui cancelado por ela, ninguém tomou providências.

O primeiro livro, de ensaios acadêmicos, tem seu leitor. O segundo patina, pois os escritores e críticos não me concedem credencial de ficcionista. O terceiro encontra a resistência dos machadianos, que desejam transformar um escritor genial em homem perfeito, até em militante da abolição. O quarto, publicado por uma grande editora portuguesa, com filial no Brasil, esbarra nas dificuldades de distribuição da Almedina em nossas terras. O quinto mexe em campos cercado com arame farpado, a pedagogia. De quebra, critica o marxismo de Paulo Freire, sem deixar de louvar a importância do autor. Livro é mídia dependente. Sem espaço em rádio, jornal e televisão, dificilmente decola. O leitor nem mesmo fica sabendo.

É crime perfeito.

Morte por asfixia.

Como não sei fazer outra coisa, tendo perdido todas as habilidades manuais necessárias à vida normal, continuo escrevendo e publicando. Lanço, dia 2 de julho, 19 horas, na Casa da Memória Unimed Federação/RS (Santa Teresinha, 263), um “Dicionário afetivo da memória: minha França”. No lançamento, estarão comigo dois brasileiros e dois franceses, os cronistas e médicos Nilson May e Alcides Stumpf, o sociólogo Philippe Joron, professor na Universidade Paul Valéry, Montpellier 3, e o filósofo Gilles Lipovetsky. Meu livro chega no momento em que a França está no centro das atenções mundiais com as eleições legislativas nacionais antecipadas para 30 de junho e 7 de julho e com a proximidade dos Jogos Olímpicos de Paris.

Interessante é que a gente se habitua à falta de providências. Não tenho pelo jeito o orgulho de Carlos Heitor Cony, que se retirou para a leitura enquanto via o tempo passar. O cancelamento produz uma situação paradoxal: dá mais tempo livre quando menos se precisa dele. Começo a acreditar em vocação. Em Veneza, entrevistei Mario Vargas Llosa. Ele me disse para jamais pensar em leitores e em publicação na hora de escrever.

Tomei providências: sigo à risca essa recomendação.

Nunca se deve pensar na mídia no momento de criar alguma coisa.

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