Juremir Machado da Silva

Gilles Lipovetsky: “Um dique se rompeu na França com a aproximação entre direita moderada e extrema direita antes das eleições legislativas antecipadas”

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Gilles Lipovetsky: “Um dique se rompeu na França com a aproximação entre direita moderada e extrema direita antes das eleições legislativas antecipadas” Gilles Lipovetsky, filósofo do contemporâneo/foto de divulgação.

Filósofo, autor de best-sellers mundiais como “A era do vazio” e “O império do efêmero”, Gilles Lipovetsky, nascido em 1944, estará em Porto Alegre de 1º a 4 de julho para gravar curso para a plataforma PUCRS Online. O seu penúltimo livro, “O triunfo da autenticidade”, tem dado o que falar. Nele, o pensador do contemporâneo e seus paradoxos analisa as três etapas do “seja você mesmo” ou “seja quem você é”, de uma opção de artistas marginais no século XIX ao momento atual, em que todos podem e devem perseguir esse ideal, inclusive na vida corporativa, passando pelo anos 1960 e utopia hippie do ser quem se era contra a hipocrisia do sistema. Lipovetsky está preocupado com o momento político da França e com o futuro da União Europeia. Nunca a extrema direita esteve tão próxima do poder.

A vitória do Reagrupamento Nacional, de Jordan Bardella, antiga Frente Nacional, sempre dominada pela família Le Pen, antes com o pai, Jean-Marie Le Pen, agora com a filha, Marine Le Pen, nas eleições para o parlamento europeu sacudiram a França. Ficou pior depois que Eric Ciotti, presidente de Os Republicanos, partido da direita moderada, inclinou-se para uma aliança com a extrema direita e não com os macronistas, centristas aliados do presidente da república, Emmanuel Macron. Ciotti foi expulso do seu partido, mas reintegrado pela justiça. A direita explodiu. Lipovestky lembra que até então essa aproximação entre direita e extrema direita era impossível, um tabu ligado à ocupação nazista da França durante a Segunda Guerra Mundial. “Um dique se rompeu”, diz o filósofo. “Algo se quebrou”.

Para ele, uma vitória da extrema direita em 7 de julho poderá ser o começo do fim da União Europeia, cujos pilares são a Alemanha e a França. Se, em 2026, Marine Le Pen chegar à presidência da república será o golpe de morte em uma construção sempre em perigo. Como se chegou a essa situação? Lipovetsky dá três pistas: fim das ideologias estruturantes, que organizavam os eleitores em campos bem definidos; triunfo de uma ideologia da desconfiança pela qual o eleitor não acredita mais nas instituições, nos políticos, na imprensa, na justiça, nos partidos, enfim; predomínio de um pragmatismo que faz o eleitor querer experimentar, como se fosse um produto de consumo, outra possibilidade eleitoral a partir da ideia de que os demais fracassaram: “Todo governo decepciona”, explica. Como não há mais qualquer fidelidade, o cidadão busca resultado apostando em que ainda não governou. Lipovetsky não acha que a França esteja se tornando fascista, mas entende que há uma propagação incontida de uma insatisfação crescente.

Segundo ele, mais do que o racismo de outros tempos, o que capitaliza a extrema direita é o hiperindividualismo atual que leva cada um a se achar prejudicado pelas ajudas a estrangeiros, como se cada pessoa dissesse, por que eles recebem apoio e nós não? Por que os governos dão para os de fora o que nós mesmos não temos? Expressão de um egoísmo pragmático e incontido. Analista das contradições sociais, do isto e do aquilo convivendo, teme que a França mergulhe no caos. Se nenhum partido obtiver maioria absoluta nas eleições antecipadas, o que é muito provável, o país poderá ficar sem formar governo por meses. Ele não acredita numa aliança entre direita e extrema direita para governar. Tampouco num acordo entre macronista e a Nova Frente Popular, reunião de siglas de esquerda. Numa democracia madura, sustenta, direita moderada e esquerda fariam isso pelo bem público. O radicalismo francês, país oriundo de tantas revoluções, não permite.

Uma vitória eleitoral da frente de esquerda também não lhe parece indicar um futuro promissor. A extrema esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, tornaria o governo impossível. Lipovetsky destaca o antissemitismo dessa corrente, que não vê, por exemplo, o Hamas como grupo terrorista. No fundo das aparências, explica, está um antiamericanismo violento. Por outro lado, entende que Emmanuel Macron apostou alto demais dissolvendo o parlamento e não tendo feito uma aliança sólida com a direita moderada para governar, por se ver como cavaleiro solitário contra partidos, vistos como velharias.

Gilles Lipovestky teme que uma vitória da extrema direita leve a manifestações violentas nas ruas, retomando as semanas e semanas de ação dos Coletes Amarelos. A França flerta com o abismo. Só moderação, diálogo e tolerância podem produzir sabedoria numa hora dessas. É justamente o que parece estar em queda. A democracia virou marca de luxo. Custo caro, não aceita falsificação, requer convicção e flexibilidade ao mesmo tempo.

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