Juremir Machado da Silva

Entre rainhas: Maria da Glória e Leopoldina

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Entre rainhas: Maria da Glória e Leopoldina Reprodução

Mary Del Priore é historiadora. Foi professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Vende muito livro no Brasil. Escreve para ser lida. Historiadores de texto menos legível chamam esse tipo de livro, de gente como Mary Del Priore, de “história pública”. Fica implícito que existe uma história não pública, com dificuldades e exigências fora do alcance do dito leitor comum. Não consigo imaginar o que seja. Todo relato histórico pode ser escrito de modo legível. Em Leopoldina & Maria da Glória, duas rainhas, vidas e dores (editora José Olympio), Mary Del Priore faz outra coisa: romanceia o olhar da filha, Maria da Glória, sobre a vida da mãe, Dona Leopoldina, primeira esposa do primeiro imperador do Brasil, o fornicador incansável D. Pedro I.

Agradável de ser lido, baseado em generosa bibliografia sobre as duas mulheres – a imperatriz austríaca do Brasil e a rainha de Portugal por duas vezes –, o livro cumpre a sua meta: falar dessas duas mulheres especiais num tempo dos homens. Se historiadores podem ter ressalvas à obra, a crítica mais forte pode ser de cunho literário: a autora faz Maria da Glória contar a história da mãe com uma linguagem tão límpida e atual que parece não guardar qualquer marca do tempo em que ocorreu. O leitor toma consciência dessas duas jovens parideiras – Maria da Glória, que governaria Portugal, na segunda vez, por quase 20 anos, ficaria grávida 12 vezes e enfrentaria 11 partos. A mãe só teria tempo em vida de parir sete vezes em nove anos. Quatro filhos morreram cedo. Ela mesmo mesma faleceu em consequência de um aborto espontâneo.

Del Priore mostra toda a estupidez de Pedro I, um garanhão, no sentido animalesco da palavra, na força da idade. Comia – não pode haver palavra mais apropriada para tamanho apetite sexual – quem encontrasse pela frente: esposa, amante, irmã da amante, mulher de diplomata, atriz, prostituta, vizinha, camareira. Teria tido 27 filhos bastardos. A grande paixão da sua vida teria sido, como se sabe, Domitila de Castro, que tornou marquesa de Santos e impôs à esposa como camareira-mor. Na prática, vivia, viajava e dormia com duas mulheres, a oficial e a oficiosa. Nos intervalos, dava escapadas. Era um canalha de pouca simpatia, muita desfaçatez e talvez priapismo.

Talvez o ponto mais interessante do livro, do ponto de vista do papel de cada um, tenha a ver com a participação de Leopoldina na independência do Brasil. Ela empurrou o marido para a realidade quando as cortes portuguesas decidiram repatriá-lo: “O pomo está maduro”, escreveu em carta entregue a Pedro por um emissário quando o regente voltava de Santos para São Paulo, com diarreia, montado numa “besta baia gateada”, que Pedro Américo transformou, no seu quadro, em fogoso corcel. Dona Leopoldina, em linguagem de hoje, disse ao panaca pulador de cerca do marido: colhe o fruto, vai, não amarela, não foge da raia. Ou vai que é tua, Pedrão. Ele foi. Se não fosse, dançava. Leopoldina era pelo absolutismo, odiava revoluções, nada tinha de liberal, mas não queria ficar sem trono para ela e seus herdeiros. Pragmática.

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